terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

A ratazana em nós


«Na verdade, nada dura mais do que um instante a não ser na nossa memória – preferia morrer a esquecer…»
Firmin de Sam Savage

Creio que todos nós, uns mais outros menos, uns fantasiando, outros levando muito a sério, já nos sentimos como que prisioneiros nos nossos invólucros corporais. Acontece-nos não acharmos correspondência entre aquilo que a nossa imagem mostra e o que o nosso corpo demonstra. Como que fechados, presos, encarcerados em vidas que não queremos conhecer, em histórias que não gostaríamos de partilhar. Enquanto, no outro lado, vivemos em sonhos e fantasias que, em boa verdade, se tornam realidade efectiva, mesmo que nunca cheguem a acontecer.
Como que, por exemplo, uma imaginação delirante nos dissesse que uma ratazana não era apenas uma ratazana, mas um espírito imenso, imerso em contradições humanas, em desejos, dúvidas e alegrias que nunca reconheceríamos num roedor com aspecto repugnante.
Uma ratazana mais Humana que qualquer pessoa. Uma ratazana, suprema fantasia, que conseguisse ler, observar, absorver e viver, todas as milhares de páginas que bebeu avidamente.
É, no fundo, um ser humano sensível, crente na bondade dos outros e do mundo, que, apercebendo-se que a desilusão também faz parte desse mundo, acaba por não se render e num último momento, devorando, literalmente, uma derradeira página do primeiro livro que foi seu, o converte, definitivamente, em seu, materializando uma velha suspeita: « (…) toda a gente tem dois lados, um escuro e um claro(…)»

1 comentário:

anita disse...

Há dificuldade em ler um livro a seguir a este... a expectativa fica muito elevada!

E eu, que ODEIO ratos, amei este.