sexta-feira, 24 de abril de 2009

Rua António Maria Cardoso - 24 de Abril de 1974


Dói-me o corpo todo…
Sinto um gosto a sangue a marcar-me a boca, um pequeno fio quase imperceptível escorre-me pelo canto do lábio.
Já não sei há quanto tempo não durmo.
Estou todo dorido, extenuado, mal consigo manter os olhos abertos. Já não consigo distinguir as suas caras.
Mas continuo a ouvi-los… embora nem perceba o que me dizem.
Ouço os gritos… as pancadas na mesa…
O pequeno candeeiro lá em cima vai mantendo uma ténue luminosidade, que evita a obscuridade que me quer envolver.
Estou deitado no chão… está muito frio aqui… a pouca roupa que me cobre está completamente encharcada…
Há um cheiro nauseabundo… não sei se vem de mim ou de um qualquer buraco cheio de pútridos despejos.
As dores ocasionais vão-se transformando em permanências.
Quero falar, pedir água, mas não consigo articular palavra…
Sinto uma nova pancada… já nem dói, já nem efeito tem…
Sei que fecho os olhos… a dor foi-se… já nem sinto o corpo…
Parece que levito agora… num estado de inconsciência total… de não retorno…


- Chama o cangalheiro pá! Este já não se levanta daqui!

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