quinta-feira, 16 de abril de 2009

Na gaveta... (II)


Guardado na gaveta desde 21 de Setembro de 1983:

O helicóptero desceu sem grande alarido. Pousou suavemente e Januz saiu, denotando um cansaço natural após quase 3 horas de voo.
Olhou à sua volta. O local estava deserto. Nem mesmo sabia que lugar era aquele. Que azar ter sido apanhado pela tempestade logo quando a sua missão estava a acabar.
Podia estar num sítio qualquer, a bússola partira-se e o rádio não funcionava. Tantos azares no mesmo dia, pensou!
Por acaso ia entregar vários produtos enlatados à colónia dos refugiados e comida não lhe faltava. Comeu depressa e bem. Sentia-se extenuado. O tempo estava quente, o seu relógio marcava 20 horas, mas com aquele sol, devia ser muito mais cedo.
Estava muito cansado, tão cansado que resolveu deitar-se um pouco. Adormeceu rapidamente.
Acordou algum tempo depois, repetindo o velho hábito de olhar para o relógio. Marcava 6 horas. Dormira exactamente 10 horas. O sol continuava a brilhar intensamente e o calor era abrasador. Caíam algumas gotas de chuva.
Continuava a não haver vivalma pelas redondezas. Nem um som.
Não conseguia perceber onde estava. Tentou o rádio mais uma vez, mas continuava mudo.
À sua volta um extenso campo verde, com algumas árvores ao fundo. Pensou que para lá do pequeno bosque haveria algum caminho que o levasse a alguém.
Pôs uma mochila ao ombro e começou a caminhar nessa direcção.
Fixou o espaço onde estava, para poder voltar.
Andou durante alguma horas. O céu continuava a pingar, embora o calor fosse intenso. A própria chuva era quente. O sol parecia que nunca se punha, continuava lá bem no alto.
Não avistou ninguém, só relva e árvores, nem sequer um pequeno animal.
De repente viu o que lhe pareceu ser uma casa. Correu para lá.
Até que enfim, pensou.
Mas, onde é a porta? A casa não tinha porta e agora que reparava melhor, era uma casa estranha, mole, descolorida, redonda.
Notou então que havia um janelinha lá em cima, um pouco mais alta do que ele próprio.
Arranjou um último fôlego e conseguiu alcançá-la e entrar. Caiu em cheio no soalho interior. Não se magoou contudo. Era mole, fofo, confortável até.
A casa, apesar de maior do que parecera do lado de fora, só tinha duas divisões. Estava completamente vazia, com uma pequena excepção. Junto à parede mais distante estava uma pequena mesa, de um branco quase transparente.
Januz chegou-se junto dela e tocou-lhe. A mesa encolheu-se! Nova tentativa e a mesa voltou a encolher-se.
Sentou-se então no chão e comeu o que trazia na sua mochila.
Depois tentou, novamente, tocar na mesa. O encolhimento desta vez não surtiu efeito e a mesa, depois de tocada, volatilizou-se numa nuvem de fumo colorido!
Januz não queria acreditar nos seus olhos, enquanto da nuvem iam caindo grossa gotas de uma água quente.
Saiu da casa, que parecia estar mais pequena agora.
O sol continuava a brilhar, a canícula era quase insuportável, a chuva continuava a cair e ao longe notava-se uma outra luz, muito ténue, uma luz torneada por uns fios luminosamente coloridos, embora muito difusos.
Já tinham passado mais de 24 horas desde que ali tinha chegado.
Tentou recordar-se do caminho de volta ao seu aparelho. As referências espaciais que tinha eram quase inúteis, toda a paisagem parecia igual.
Ao fim de algum tempo conseguiu avistar a sombra do seu helicóptero.
Notou que havia alguém junto dele. Pareceram-lhe 3 ou 4 vultos. Gritou, tentando chamar-lhes a atenção. Começou a correr. De repente sentiu uma enorme pressão na cabeça. As forças a faltarem-lhe. Desmaiou.
Quando despertou estava novamente sozinho.
A seu lado viu uma pedra. A primeira que vira desde que ali chegara. Era verde, de um verde brilhante, quase vivo. Olhou-a com atenção e reparou então que não era verde, era azul… amarela… laranja… vermelha… não, era verde mesmo! De um verde brilhante, vivo!
Pegou-lhe e viu, estupefacto, que imediatamente se desfez numa nuvem de fumo colorido.
Abismado com o que se estava a passar dirigiu-se ao aparelho. Sentou-se no seu banco e olhou o céu. Continuava aquele sol inclemente, aquela chuva esparsa e interminável e viu que, mais ao longe, a luz, que tinha notado há pouco, era agora mais forte e as cores dos fios mais nítidas.
Fechou os olhos e pensou na sua terra, pela primeira vez sentiu saudades. Ouviu então um ruído seco a seu lado. Abriu rapidamente os olhos.
Viu três sombras espelhadas na relva. Levantou-se a saiu do aparelho. Encarou com aqueles três! Tinham todos a mesma estatura, a mesma roupa, a mesma cara. A sua! Era como se estivesse a ver ao espelho!
Falou-lhes e eles responderam. Repetindo as suas palavras.
Januz voltou a falar e os três voltaram a repetir o que lhes havia dito.
Estendeu a mão tentando tocar-lhes e viu, com espanto, que desapareciam numa enorme nuvem de fumo colorido!
Atordoado deixou-se cair de joelhos. Deixando que a chuva, agora mais intensa, lhe molhasse o corpo, tornando a sua roupa numa amálgama peganhenta.
Aquele céu, onde um sol intenso e imperdoável se misturava com uma chuva quente que caía não se sabia de onde, dava-lhe uma horrível sensação de claustrofobia.
A luz era agora muito maior, as cores que a percorriam eram muito mais visíveis, cobriam-no quase por completo.
Sem saber o que fazer Januz levantou-se. Sentiu então que alguém se aproximava. Virou-se repentinamente.
Era pequeno, com um sorriso insondável a bailar-lhe no rosto. Não percebeu se era novo ou velho. Tinha o cabelo revolto, castanho e brincava com um trevo.
Januz, mesmo sem saber porquê, sorriu-lhe. Incompreensivelmente sentiu-se aliviado.
Retribuindo o sorriso, o desconhecido estendeu-lhe então a mão. Januz devolveu-lhe o gesto.
E já sem se surpreender, viu que a sua mão, o seu braço, o tronco, as pernas, os pés, se iam desfazendo numa enorme nuvem colorida.
Foi já no último momento que viu a luz colorida a ocupar quase todo o céu, vindo, justamente, acabar ali. Conseguiu ainda olhar para o pequeno ser que o observava e foi só no derradeiro segundo que reparou no caldeirão dourado.

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