sábado, 25 de abril de 2009

Há 35 anos...


Amanheceu cinzenta aquela 5ª feira de Abril, a adivinhar chuva… o que, tendo em conta a voz popular, mais certa naquela altura que hoje, nem estava errado, já que em Abril águas mil!
Levantou-se, lavou-se e tomou o pequeno-almoço, tal como fazia todos os dias. Os pais escutavam o rádio, sintonizado no Rádio Clube, como todos os dias.
A escola distava apenas uns 500 metros da casa. Ele já tinha 10 anos e como era habitual fez sozinho o trajecto.
À frente da escola havia um pequeno jardim, onde costumava brincar com os amigos, chamavam-lhe O Alto. No fim desse jardim ficava a casa dos seus avós, onde passava grande parte do seu tempo livre.
Naquele dia avó esperava-o à entrada da escola. Com ar sério disse-lhe:
- Há revolução em Lisboa!
Para ele aquilo soava às histórias verdadeiras que a avó lhe costumava contar. Histórias das revoltas que rebentavam quase semana sim, semana não, durante o tortuoso período da 1ª República. Histórias onde entravam os seus tios-avós, dois dos irmão mais velhos da avó, que era a benjamim de 8 irmãos.
Mas o ar sério da avó deixou-lhe a sensação de que, desta vez, não era apenas uma história.
Entrou na sala de aula, onde o seu colega de carteira lhe disse que, ao passar no posto da GNR, tinha notado as portas fechadas e os soldados à janela com as espingardas visíveis.
Quando a professora entrou levantaram-se, como faziam todos os dias. A senhora, com ar solene, encimada pelas fotos de Salazar, Caetano e Tomás, falou.
Disse-lhes que não havia aulas, que deviam ir para casa e ficar por lá. Não explicou mais nada.
Foi uma festa. Um dia de folga, sem mais nada para fazer. Um dia inteiro para brincar.
Na rua algumas pessoas juntavam-se em pequenos grupos. Não mais de 3, 4 pessoas e reuniam-se à volta de pequenos transístores, que iam debitando noticias e sons que, normalmente, não cabiam nas habituais transmissões.
Passava-se, de facto, alguma coisa!
Brincaram o dia todo. Pela rua, pelos descampados que por lá havia. Com espadas de madeira. Imaginando grandes batalhas, em que só os bons podiam vencer.
Ao fim da tarde acendeu-se a televisão. O som de uma marcha, até aí desconhecida, soava.
Imagens de militares na rua, de imensas pessoas na rua, de gritos de alegria, de festejos impensáveis.
Imagens de vários militares fardados, militares graduados, com ar sério, sentados à volta de uma mesa. Um, talvez o mais velho, de monóculo, falava em nome de uma Junta de Salvação Nacional.
Não percebeu bem do que se tratava, mas começou a ver sorrisos nas ruas, pessoas abraçadas, a festejar, pessoas com cravos vermelhos nas mãos, nos cabelos, nas lapelas.
Nos dias seguintes viu-se, criança que era, no meio da alegria incontida, a descer a rua onde morava, de mãos dadas com outras crianças, com adultos que sorriam e entoavam aquelas palavras que nunca mais lhe saíram dos ouvidos:

O povo unido jamais será vencido!

Hoje, a esta distância, com os anos que se passaram e as experiências adquiridas, vemos melhor que, naquela altura, todos éramos crianças, todos ríamos felizes, todos acreditávamos…
Até que esta espécie de realidade, a que chamam normalidade, falou mais alto e todos percebemos que as festas, sobretudo as mais espontâneas e felizes, também têm um fim.
Para mal de todos nós…

1 comentário:

Andradarte disse...

Haja esperança e muita Fé.
Havemos de lá chegar...?
Abraço