quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Criações


Dou por mim, muitas vezes, a pensar na capacidade de criar! Na capacidade em ser criativo, em conseguir dar um passo mais além do comum, conseguir exteriorizar aquilo que a mente nos vai sugerindo, que a experiência nos vai ditando, que a inquietação nos vai desassossegando. Tenho, é certo, grande dificuldade em achar o sitio exacto, o momento certo, a força motivadora que origina essa capacidade. A vontade existe, a força impulsionadora também, mas falta a centelha que é capaz de iluminar tudo isso. Porque criar, criar a sério, resulta de um momento de génio, de um salto em frente no mundo que nos rodeia, numa tempestade interior que, por ser tão enorme e intensa, não pode ficar circunscrita ao nosso Eu. Aí sim, daí resultam obras que nos deixam a todos, comuns mortais, perfeitamente embasbacados perante a excelência, a maravilha, o deslumbramento.
Não acredito naqueles que dizem que uma obra-prima resulta de 10% de inspiração e de 90% de trabalho! Uma verdadeira obra-prima resulta só e apenas de inspiração, inspiração divina, inspiração indestrutível, momento único e irrepetível. Depois, em cada um de nós, pode haver aquela capacidade de aproveitar lampejos rápidos e fortuitos de outras tempestades mais pequenas e torná-las em obras maiores.
Lobo Antunes, que é, indubitavelmente, um dos "iluminados", disse um dia: «Eu penso que aquilo que faz com que nós continuemos vivos e capazes de criar é isso mesmo, uma inquietação constante. Sem ela não pode haver criação, quem não põe sempre tudo em causa, arrisca-se a ter uma vida interior de três assoalhadas, num bairro económico.»E eu acredito que sim, que quase todos nós vivemos nessa três assoalhadas; que visitamos outras e outras, até algumas maiorzinhas, mas não nos conseguimos libertar de uns condomínios diminutos que nos acompanham ao longo de toda uma vida.
Grandes castelos implicam grandes inquietações e depois, quem muito se inquieta dificilmente voltará a pequenas casas e esse retorno impossível implica ainda outra coisa. Implica um distanciamento deste mundo que é o nosso, implica um afastamento das pessoas que o habitam, implica a marginalização do inquietado e por aí socorro-me outra vez de Lobo Antunes: «No fundo o que é um maluco? É qualquer coisa de diferente, um marginal, uma pessoa que não produz imediatamente. Há muitas formas de a sociedade lidar com estes marginais. Ou é engoli-los, transformá-los em artistas, em profetas, em arautos de uma nova civilização, ou então vomitá-los em hospitais psiquiátricos.»Ou, direi eu, tudo isso junto!
De qualquer forma, acrescento, o que seria de nós se não surgissem, de quando em vez, alguns malucos que nos mostram a verdadeira face de Deus!!!

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