domingo, 3 de maio de 2009

O rapaz do lápis azul


O velho coronel olhava condescendente para o jovem rapaz que agora o ajudava na árdua tarefa que já era sua há tempo demasiado.
O velho coronel sentia-se cansado depois de tanto tempo a ler, a cortar, a riscar, a emendar. Já nem se lembrava de quantos lápis azuis tinha gasto.
Os tempos eram outros. O entusiasmo, que tinha sido seu apanágio constante, ia agora esmorecendo.
O jovem, cuja principal motivação era agradar-lhe a todo o custo, tinha-lhe sido recomendado por um velho amigo com o argumento de que era um rapaz às direitas, temente a Deus e aos poderes instituídos, com muita vontade de ajudar e dono de um código moral muito vincado. Tudo isso e uma amizade devedora de alguns favores, fizeram com que o coronel tivesse acedido.
O rapaz não tinha muitos estudos, mas era simpático e dedicado e nem o facto de ser filho de pai incógnito impedira o coronel de lhe dar a mão.
O jovem tinha a sua própria colecção de lápis azuis e estava desejoso de lhes dar mais uso. Já tinha experimentado em alguns pequenos textos e o coronel tinha aprovado sinceramente. Este rapaz tem futuro!
Isto se o futuro deixasse e por aí andava grande dúvida. O coronel tinha ouvido uns rumores que não o tranquilizavam. Uns quantos oficiais andavam descontentes. Um general tinha tido a ousadia de escrever um livro sobre o futuro de Portugal e ninguém lhe tinha posto o lápis azul em cima. E tinha havido aquela idiotice das Caldas há menos de uma semana.
No entanto, o jovem estava cheio de esperanças.
Poucos dias mais tarde o rapaz apanhou um terrível choque. Os lápis azuis tinham sido banidos por um bando de capitães descontentes. A sua carreira e o seu futuro estavam comprometidos.
O coronel não sobreviveu muito mais tempo. Morreu de desgosto asseverava o rapaz.
Quanto a ele, foi trabalhando por aqui e por ali até que se fixou como funcionário de uma cadeia de supermercados. Foi fazendo carreira. Subindo degrau a degrau, empenhada e decididamente. Até que foi nomeado responsável pela secção de livros e música.
Do fundo da sua memória recuperou os ensinamentos do velho coronel e jurou a si próprio que o lápis azul iria recuperar a sua importância.
O livro que estava à sua frente, daquele brasileiro imoral e decadente, iria ser o primeiro de uma longa lista que, mentalmente, ia já elaborando…

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