Quem dedicar alguma atenção ao estado das artes em Portugal, uns breves minutos que sejam, deve ficar, no mínimo, como uma ideia aterradora perante o cenário que se lhe apresenta. Muitos ficarão até com dúvidas se o conceito de arte é conhecido dos responsáveis deste país. A não ser que se confunda arte com Morangos com Açúcar, telenovelas, Momentos da Verdade e quejandos.
Da mesma forma a atenção e o respeito que os artistas merecem por parte dos detentores do (s) poder (es) é da dimensão de uma minúscula gota no meio de qualquer oceano. A não ser, mais uma vez, que se confunda artista com qualquer Cristiano Ronaldo, Diana Chaves ou Tony Carreira.
Vem isto a propósito de que se passou com a Metro de Lisboa e uns azulejos de Maria Keil. Por ser tão explícito limito-me a transcrever um mail que recebi e que diz o seguinte:
«(…) Recentemente a Metro de Lisboa decidiu remodelar, modernizar, ampliar, etc, várias das estações mais antigas e não foram de modas. Avançaram para as paredes e sem dizer água vai, picaram-nas sem se dar ao trabalho de (antes) retirar os painéis de azulejos, ou ao incómodo de dar uma palavra que fosse à autora dos ditos. Mais tarde, depois da obra irremediavelmente destruída, alguém se encarregaria de apresentar umas desculpas esfarrapadas e “compreender” a tristeza da artista.
A parte “realmente boa” desta (já longa) história é que ao contrário de quase todos os arquitectos, engenheiros, escultores, pintores e quem quer que seja que veja uma sua obra pública alterada ou destruída sem o seu consentimento, Maria Keil não tem direito a qualquer indemnização.
Perguntam vocês “porquê, Samuel?” e eu tão aparvalhado como vós, “Porque na Metro de Lisboa há juristas muito bons, que descobriram não ser obrigatório pedir nada, nem indemnizar a autora, de forma nenhuma... exactamente porque ela não cobrou um tostão que fosse pela sua obra!!! (…)»
Perante tal enormidade julgo que não são necessárias mais palavras, apenas estupefacção e um enorme sentimento de impotência, bem misturados com um desprezo enorme por quem permite que tais situações continuem a acontecer!
1 comentário:
A falta de respeito pelo trabalho criativo é um apanágio do cizentismo tecnocrático que temos de sobra neste país.
Infelizmente, quando não se paga um cêntimo pelo que quer que seja, o valor que se atribui a esse bem, é o total desrespeito. É por isso que sou contra os trabalhos de borla.
Uma coisa curiosa é por exemplo, quando alguém compra algo a uma empresa alemã e lhe solicita um desconto, a resposta é quase sempre do género: "não fazemos desconto, porque este é o valor do nosso trabalho. Garantimos a qualidade e este é o preço justo. Estar a fazer desconto é estar a desvalorizar o nosso trabalho".
É por isso que, sobretudo em Portugal, quando alguém tem algum jeito "para fazer bonecos" (como se diz), aparece sempre alguém a pedir: "Eh pá, desenrrasca-me lá aí uns bonecos", mas se um fulano fôr, por exemplo, um cozinheiro, não aparece ninguém a pedir-lhe "Eh pá, desenrrasca-me lá aí um bitoque"!
A falta de respeito por algo grátis é assustadora. Por isso sou contra as borlas. O caso relatado atinge todos os limites! Enfim!
Enviar um comentário