quinta-feira, 10 de março de 2011

A Voz



Olha-me nos olhos, sussurrou ela, olha-me nos olhos e diz-me o que vês?Não resistiu. Fechou os olhos com força, tanta que tudo se apagou naquele momento.
No meio do negrume imenso em que se encontrava voltou a ouvir-lhe o sussurro.
Tu sabes que eu ainda aqui estou e estarei. Não me abandones. Olha-me nos olhos.Não queria. Não a queria ouvir, não a queria sentir, não a queria ver.
A sua voz sibilina não lhe dava descanso. O sussurro quase inaudível invadia-lhe o cérebro, a pele, cada poro por onde saíam abundantes gotas de uma transpiração incontrolável.
Tentou gritar. Gritar-lhe para sair dali, da sua cabeça, do seu ser, da sua vida. Mas não foi capaz, não sentia nenhuma força a sair de si, sentia-se impotente, sem forças, prestes a desistir.
A voz dela soou-lhe agora mais alto.
Sabes porque aqui estou. Sabes por que não te abandono. Aceita-me, deixa-me entrar.Não queria, não podia, não… era impossível continuar a viver assim, numa espécie de dualidade que não lhe dava tréguas, descanso, vida.
Pára, conseguiu exclamar sem convicção, deixa-me em paz, vai-te… disse-lhe sabendo de antemão que ela não acataria o seu pedido.
Não posso, respondeu-lhe ela, sabes muito bem que não posso, para além de não querer, preciso de ti, como tu precisas de mim. Abre os olhos agora e olha-me, vê-me.Baixou então a cabeça sem abrir os olhos. Estendeu uma mão, sabendo que só encontraria o vazio.
Entrega-te, tornou a voz.
Não, respondeu numa voz sumida, deixa-me em paz, deixa-me seguir…
Nunca, ouviu como resposta.
Levantou-se então e com uma fúria que não sabia existir em si, pegou no espelho e partiu-o em mil pedaços.

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