sexta-feira, 11 de março de 2011

Olá (VII)

(...)
- Isso é estranho. Quer dizer que perdem a memória?
- Sim, é uma maneira de dizer, mas creio que sim, perdem algumas memórias, mas há quem diga que ganha outras, mais remotas, mais profundas, mais verdadeiras.
- Outras? Como? Lembram-se de coisas já esquecidas?
- Sim, é isso. De coisas que julgavam nunca mais recordar, das suas vidas, das suas verdades.
- Vidas? Como é isso? Há mais que uma vida?
- Claro. Há muitas vidas, embora tenham tendência para o esquecer assim que assumem uma. Nunca mais se lembram de quem foram, o que fizeram, o que ganharam com isso. E recomeçam outra vez, do zero, até estarem preenchidos e depois volta tudo ao principio.
- Essa tua conversa está a ficar muito estranha. Vidas passadas, vidas esquecidas, memórias perdidas. O que é isto afinal? Uma espécie de entreposto entre vidas?
- Curiosa essa imagem, nunca me tinha ocorrido. Mas talvez lhe possamos chamar isso. Embora não seja exactamente isso.
- Pois é, eu não sei onde estou e está a parecer-me que tu também não.
- E o que importa isso? Estás aqui agora e, possivelmente, para sempre.
- Sempre? E quanto tempo é isso?
- Já não te lembras que te disse que aqui não havia tempo. Sempre é sempre. Tal como pode ser nada. Quer dizer, pode ser apenas um segundo ou uma vida cheia de segundos infinitos.
- Tens falado tanto de outras pessoas que para aqui vêm, mas eu ainda não vi ninguém.
- E não verás aqui, temos que passar para além daquele ribeiro.
- Ribeiro? Ainda não vi nenhum ribeiro. Onde está?
- Mesmo atrás de ti.
- Pois está e nem um som lhe tinha ouvido. E como percorremos este ribeiro?
- Primeiro tens que optar. Vais atravessar o ribeiro?
- E qual é a outra opção, ou outras? Para onde posso ir se não atravessar o ribeiro?
- Podes ficar aqui, esperando até que outro te venha buscar. Podes mergulhar no ribeiro e aí não sei onde vais parar, ou podes vir comigo no barco que se está a aproximar agora.
- Pois, todas as opções me levam ao desconhecido. É como um tiro no escuro.
- É, mas a escolha é tua. Ah e deixa-me que te diga, depois não podes voltar atrás.
- Bem, a ti já te vou conhecendo. Mas quem é esse outro que me pode vir buscar?
(...)

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