terça-feira, 8 de março de 2011

Olá (VI)

(...)
- Perceber o quê? De facto percebo muito pouco. Sempre me disseram que não percebia nada e eu por muito que quisesse desdizer isso acabo por chegar à conclusão que sempre percebi pouco de muita coisa, ou muito de coisa nenhuma.
- E parece que agora também não estás a perceber. Eu perguntava-te se achas que eu sou humano.
- E o que queres dizer por humano? Mamífero, cabeça, tronco e membros, racional, ou então que gostas da humanidade, das pessoas em geral, do mundo cheio de gente?
- Quero dizer, nascer, viver, morrer. Achas que eu sou assim?
- Não sei. Diz-me tu. Não vejo em ti nada diferente do que vejo em mim. A não ser essas dúvidas que vens colocando, mas que, afinal de contas, não são assim tão diferentes das que me fui colocando ao longo da vida. Será que eu também posso não ser humano?
- É verdade, por aquilo que me vens dizendo vejo que estás assaltado em dúvidas, em questões que achas irresolúveis, em problemas que, na verdade, podem não ser. Mas é isso que te faz humano. Só os humanos são assaltados por dúvidas. Pelo menos os verdadeiros humanos.
- Há humanos que não são verdadeiros?
- Aqui, onde estou, já vi muita coisa, muitas pessoas, muitas situações, muitas desfeitas e outras nunca feitas, demasiadas mal feitas. Mas digo-te que sim, que há humanos que nunca se encontraram, que nunca cumpriram o seu ser, no fundo, nunca foram.
- E diz-me, agora que olhas para mim, que pareces já me conhecer, o que sou eu?
- Tu, meu amigo, só terás resposta a essa pergunta se o descobrires por ti próprio. Tu que me dizes que foi tudo ao contrário. Crês estar no lugar certo agora? Crês que aqui as coisas se podem endireitar, que poderás sonhar, desejar, cumprir expectativas?
- Já não sei, e sobretudo ainda não sei onde estou e quem és tu, mais uma vez não estou a perceber nada. Mas posso dizer-te que me pareces ser de confiança, que algo em ti que me transmite segurança, será que estás aqui para me ajudar?
- Dizem que sim, que é essa a minha função, ajudar. Agora depende se tu queres ser ajudado. Se consegues concluir que aqui te podes virar ao contrário e ficar certo. Afinal foste tu que desejaste vir para aqui.
- Fui?
- Não te lembras?
- Não! Agora que perguntas vejo que não me lembro como aqui cheguei, que caminhos tomei, que decisão foi esta que me trouxe aqui e porquê.
- É natural, acontece a muitos que aqui chegam. A maioria nunca chega a saber por aqui chegou e por aqui está. Aliás nunca mais se lembrará.
(...)

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