segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Luar (II)




(...)Esticou uma mão, lentamente, como que a querer tocar-lhe. Esticou o corpo. Subiu o parapeito da janela e deu por si a flutuar ao encontro da lua. Como se o seu corpo se soltasse, leve, num movimento de perpétua ligeireza. Ao seu lado materializavam-se todas as formas que tinha visto no interior da sua cabeça, dele próprio começou a irradiar uma luz, igual aquela que saia das outras formas.


Sentia-se um personagem feito de luz, tal como os outros, tal como a lua que estava agora maior, ou mais perto, ao alcance da sua mão.

Lá em baixo as pessoas continuavam a caminhar com as suas cores, os seus risos sonoros, as suas vidas risonhas, ou só aparentemente, alegres. O verão estava feliz naquela noite de grande luar, de uma enorme lua brilhante que era agora acompanhada por outras figuras de luz de que ninguém parecia aperceber-se.

Viu ainda a sua casa e conseguiu perceber a sua janela aberta de para em par e uma silhueta negra parada sobre o parapeito, mãos estendidas para o céu, estremecendo e hesitando em saltar ou voltar para dentro.

Voltou a sentir no interior da sua boca aquele sabor rouco, a ervas queimadas, que lhe arranhava a garganta e bem mais que isso, lhe tornava o peito feroz, azedo.

A lua continuava enorme à sua frente, as figuras de luz tinham entretanto desaparecido naquela imensidão de luz que jorrava daquele luar imponente. No interior da sua cabeça já não havia agora lugar para tais figuras, a escuridão tinha desaparecido e tudo era só luz, brilho, incandescência, uma fogueira indomável, um imenso rio de lava que o queimava e não deixava espaço para a escuridão que o mantinha vivo.

Lentamente desceu do parapeito e fechou a janela. Lá fora o ruído como que parou, as cores das pessoas que passavam alegres desapareceram.

Sentou-se novamente no único sofá daquela sala minúscula, daquela casa mínima, daquela cidade que vivia alegremente o seu verão colorido sem saber que naquela sala, naquele sofá ele voltava a enterrar a cabeça entre as mãos e voltava a sentir os pelos da barba mal feita a enterraram-se lente, mas persistentemente, na carne entre as unhas. A dor voltou-lhe ao peito, vagarosa a perfurar-lhe o esterno e a subir-lhe, inexorável, pelo rosto em direcção ao cérebro. (...)

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