domingo, 12 de fevereiro de 2012

Luar (I)



Estava sozinho em casa, sentado no sofá da sala, naquele único sofá daquela pequena sala. Escondia a cara entre as mãos, sentia os pelos da barba a penetrarem, duros, nas extremidades dos seus dedos, entre as suas unhas. Ia pensando, nada em concreto, pensava na dor que os pelos lhe provocavam ao cravarem-se na carne entre as unhas, pensava que tinha sede e pensava sobretudo que não tinha vontade. Não tinha vontade de nada. De sair daquela posição, de levantar o rosto, de se barbear, de pensar.


Doía-lhe o peito. Uma dor ao mesmo tempo fina e grossa, ou melhor, às vezes fina, mas que ia engrossando até ser quase insuportável e que depois se ia esfumando lentamente até quase desaparecer e depois voltava ao inicio.

Ao seu lado estava pousado um copo vazio, logo ao lado de uma garrafa igualmente vazia. Na sua boca ainda permanecia um leve trago a uísque barato, não era, aliás, um leve travo, era uma rouquidão impossível de tratar, era um ronco infinito que na sua garganta se havia formado para nunca mais desaparecer.

Mantinha os olhos fechados, admirando o interior da sua cabeça, ou assim queria acreditar. Que aquelas coisas que via com os olhos fechados fossem o interior da sua cabeça, aquilo que lhe alimentava as ideias, ou a falta delas.

Luzinhas fugidias, imagens difusas que se iam formando, escapando-se-lhe por entre a escuridão que vivia lá ao fundo, no interior da sua cabeça, figuras humanas feitas de luz, feitas, talvez, de uma imaginação que poderia ser fértil ou apenas estranha.

A sala onde se encontrava estava despedida, despida de mobiliário, para além do sofá onde se sentava tinha apenas uma mesa baixa e um conjunto desirmanado de cadeiras, depois eram livros e discos espelhados pelo chão, sem disposição aparente, a um deus dará que depreendia de tudo o resto e até dele próprio. Mas aquela sala parecia igualmente despida de emoção, toda ela era silêncio perturbador, embora lá fora o ruído da cidade se manifestasse forte. Para além daquela sala nada mais havia naquela casa que ressaltasse, era uma casa pequena e também ela vazia.

Quando abriu os olhos continuou a ver as formas que se tinham formado na sua cabeça, no seu interior, na escuridão que o consumia.

Levantou-se devagar e procurou outra garrafa, a boca e alma pediam-lhe a aspereza da bebida maldita que era a única que bebia. Acercou-se da janela e abriu-a de par em par. Lá fora era verão, havia gente nas ruas, cores e gritos, aquilo a que se chamava alegria parecia despender-se das ruas, das vozes, das caras das pessoas. Era noite e o céu estava azul-escuro. Bem lá no meio uma enorme lua recortava e iluminava tudo, quase lhe parecia ser mais uma das imagens que formara no seu interior escuro, uma bola que irradiava luz, uma luz baça mas forte.

Deixou-se ficar a olhá-la, a deixá-la aproximar-se de si, até que nada mais conseguia ver, só o escuro que rodeava aquele círculo de luz que se mexia, que lhe vinha ocupar todo o espaço que lhe restava. (...)

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