sexta-feira, 12 de março de 2010

(...) - 6

(...)Ela já nem tocava a campainha. Nem batia à porta.
Sabia-me ali, do outro lado. E esperava. Com a paciência de quem tem todo o tempo do mundo e sabe que os destinos são para se cumprir.
Eu fitava-a, sabendo que tudo ela sabia. Mas sem coragem para lhe ver os olhos profundos. Sem coragem para abrir a boca e deixar sair tudo aquilo que se ia engarrafando na minha garganta.
Um grito formou-se então, prestes a sair. Como daquela vez em que nos mascarámos de índios e viemos para a rua com arcos, flechas e pinturas coloridas nas faces.
Nem sequer era Carnaval, mas isso não importava. Éramos Sioux, ou Comanches, ou Apaches. Gerónimo era o grito e nem 20 cavalarias nos conseguiriam deter.
Era assim a nossa infância.
Povoada de mil aventuras. Porque a nossa rua era um mundo ainda por desbravar. Em que cada dia surgia novo, com todas as horas por descobrir. E nós nem sabíamos o que era o tempo, porque na nossa ânsia de viver, cada minuto tinha o sabor de uma vida inteira.
Como agora. Agora já não sabíamos o que era o tempo. Porque estávamos os dois parados.
Eu do lado de dentro. Ela do lado de fora.
Ela esperando que eu abrisse a porta. Eu esperando que ela me esperasse.
Eu sabia, ela também, que não haveria outro caminho.
E só uma porta pelo meio. Que parecia tão pouco. Mas que era tanto.
(...)

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