domingo, 18 de maio de 2014

Este ano foi bom... muito bom

Três em quatro é muito bom.
 
 

quinta-feira, 8 de maio de 2014

sábado, 26 de abril de 2014

SEMPRE

 
 
 

Gabo

Muitos anos depois, dianta do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo.


 

quarta-feira, 23 de abril de 2014

CAMPEÕES


O grito surgia em uníssono, como se de uma só voz se tratasse e não as daqueles milhares de gargantas de onde saia.

Sentia-se uma espécie de alegria, quase uma euforia e embora todos eles soubessem que duraria apenas breves minutos, todos se sentiam felizes por poderem gritar a uma só voz e ver que o estádio da Luz se avermelhava outra vez.

 

sexta-feira, 11 de abril de 2014

adrian mole

Adrian Mole, a mais surreal toupeira que alguma vez conheci, ficou orfão.
Serão sempre das páginas mais divertidas que me foram dadas a ler. Vou começar a relê-los hoje mesmo. Obrigado Sue, até sempre...

quinta-feira, 10 de abril de 2014

azuis


Azul, azul a perder de vista, ou então não, só até onde a vista alcança. Aqui e ali almofadas, ou o que parecem ser almofadas, também podem ser pufs, ou sofás, ou colchões fofinhos. Brancos. Imensamente brancos. De vez em quando solta-se um pingo de água desses sofás, ou colchões, ou almofadas.

O ar que os sustêm é leve, mas igualmente forte, porque os sustêm, porque os mantêm assim, brancos, fofinhos. Às vezes o ar transforma-se e sopra forte, mas nem assim assusta, não aqui neste lugar, talvez noutros, mas aqui não, porque aqui nunca passa disso mesmo, uma leve brisa, aprazível, prazenteira, que vai transportando estes colchões, ou almofadas, ou sofás, branquinhos, por esta imensidão de azul, deixando cair uma ou outra gota de uma água transparente que torna o azul em muitas outras cores, aquelas de que são feitos os arco-íris.

terça-feira, 1 de abril de 2014

a cor do vento


Vejo o vento que sopra agora. Não, não é impossível ver o vento, é só abrir os olhos e ver a cor que nos traz e que nos entra pela mente até que a nossa visão fique apenas e só marcada pela cor do vento e pelas suas tonalidades, que vão da leve brisa ao vendaval. Que vão do azul água ao mais berrante dos verdes.

Por isso abro bem os olhos, nem pestanejo sequer, mantenho-os só abertos e direcciono-me ao sabor do vento, até que nos meus olhos nada mais haja que a sua cor.

quinta-feira, 27 de março de 2014

quarta-feira, 26 de março de 2014

regresso a casa


Vai correndo por entre a relva alta, vai fugindo às ruas, ao asfalto, ao movimento que lá atrás ficou. Cai e ri-se alto, uma ou outra flor selvagem cola-lhe ao olhar uma cor que o ilumina, o dia está quase a fechar-se e ele sente-se bem assim, ao entardecer, longe da cidade, com o cheiro a jasmim a rodeá-lo até se perder por entre as árvores, as flores e a erva alta, sem conhecer o caminho de volta, porque agora sim, tinha regressado a casa.

sexta-feira, 21 de março de 2014

miragens


Só se vê o sol lá em cima, à sua volta nada mais do que sede e aquela areia que tudo esbranquiça. Está parado à espera que algo aconteça. Embora pense que perdeu a esperança, ela mantêm-se nele, porque sabe que o calor tudo distorce e que, do meio daquela areia branca, poderá surgir algo que o faça voltar a acreditar, mesmo que não passe de uma miragem.

terça-feira, 18 de março de 2014

feliz dia dos pais

Amanhã é dia do pai e não consigo encontrar nada mais belo para o assinalar do que esta canção e o video que acompanha.


segunda-feira, 17 de março de 2014

discos de vinil


Fechou a porta do quarto e certificou-se que ninguém a poderia abrir. Levantou a tampa do gira-discos e limpou, com mil cuidados, a agulha retirando todo o pó e sujidade. O som tinha que ser límpido.

Depois olhou para as prateleiras, para todas as finas lombadas dos LP’s e começou a retirar um por um e a dispô-los no chão do quarto. Era ali que estava a sua salvação. Sim, ela sabia que tinha de ser salva e embora não conseguisse dizer de quê, sabia que, fora daquele quarto, alguém, alguma coisa, queria a sua perdição.

Lentamente acercou-se da janela e olhou para fora, para aquela rua cinzenta e escura, para as pessoas que passavam apressadas lá em baixo, para os carros que não paravam de urrar e de correr, como se o mundo e a sua própria salvação dependessem disso. A sua não, a sua estava ali naqueles círculos pretos, nas estrias que os sulcavam, nas capas coloridas que os envolviam, nos sons que deles saiam e que lhe davam oportunidade de viajar tanto, por tantos sítios diferentes e mágicos e, sobretudo, por dentro de si própria.

Acariciou os discos, olhando cada um com um prazer sempre renovado, é sempre a primeira vez.

Pegou n um em particular e retirou o vinil de dentro da capa, limpou-o cuidadosamente e colocou-o no prato.

Ligou a aparelhagem que estava sintonizada no modo rádio e ouviu uma voz solene que debitava uma notícia:

- Exactamente há 15 minutos John Lennon foi baleado à porta do Edifício Dakota, junto ao Central Park em Nova Iorque. Crê-se que não terá sobrevivido aos disparos. Esperamos, a todo o momento, ter mais pormenores sobre este tão trágico acontecimento…

Não admirava particularmente John Lennon, sobretudo desde que os Beatles se tinham separado, e nunca simpatizara, antes pelo contrário, com a japonesa. Como tantos outros, tinha a certeza que tinha sido ela a causadora da separação, mas, por outro lado, talvez tivesse sido melhor assim, os Beatles tinham cristalizado e a sua música afinal, estava connosco para ser completa e definitivamente desfrutada.

Desligou o rádio e colocou o braço do gira-discos sobre a primeira estria da canção que tinha escolhido, I read the news today, oh boy…

Do nada surgiu-lhe a história que a Ana lhe tinha contado na noite anterior. Sonhara que iria ser motorista de táxi. Pensou em táxis amarelos, em Nova Iorque, em edifícios altos, no Central Park, em John Lennon. Pensou em táxis pretos, com o volante à direita, de aspecto antigo, distinto, em tradição e modernidade ao mesmo tempo, em Londres e em Picadilly Circus. Pensou também em táxis pretos e verdes, como aqueles que passavam debaixo da sua janela, naquela Lisboa velhinha que tinha tanta dificuldade em ser nova, mas que ficava tão bem assim. Viu-se onde estava agora, no seu quarto, com os seus discos, à espera que a solução chegasse a qualquer momento.

Voltou então a pegar no braço do gira-discos e pousou-o sobre outra canção, a segunda do lado A, What would you think if I sang out of tune?

Lado A e lado B, os dois lados complementado-se, como na vida, tornando tudo tão mais certo, tornando a sua vida tão mais real, porque a sua realidade, no fundo, passava-se ali, entre quatro paredes forradas com as imagens que lhe coloriam os dias, pautada com sons e palavras que a faziam viajar, viajar como nunca teria sido possível de outras maneiras, que ela também desejava, uma espécie de viagem interior, viagem em si mesma, que lhe ia despertando memórias e criando outras novas, a cada nova hora, em cada novo dia em que, nunca saindo do seu quarto, ia descobrindo novos caminhos, novos rumos, novas formas de redenção.

Novos voos afinal porque, como tinha lido uma vez numa parede duma rua escura de Lisboa, deves pôr o teu orgulho e a tua lucidez debaixo dos pés para poderes voar e isso quase se tornara no seu lema de vida.

Punha o orgulho e a lucidez debaixo dos pés, punha a alegria e a tristeza debaixo dos pés, punha a vontade e a energia debaixo dos pés e punha uma fé inquebrantável nas músicas de que tanto gostava, como naquela que sulcava agora as estrias do vinil, a terceira do lado A, Picture yourself in boat on a river…

E voava, oh se voava, nunca até aí as suas asas foram tão fortes, enquanto fazia os seus voos mirabolantes pelo lado A e pelo lado B, por todos os lados As e Bês que os seus vinis lhe ofereciam.

Com eles ia ganhando sensações novas, emocionais e até físicas, já que, tantas vezes, seria capaz de jurar que via o seu corpo mudar à medida que se deixava inundar pela música.

Era uma espécie de metamorfose, uma metamorfose kafkiana, só que o horror era substituído pela beleza, o insecto sujo e feio tornava-se em algo belo e límpido e ela deixava-se mudar, sair do casulo e esquecer tudo o resto. Criava as memórias que a acompanhariam por todos os dias da sua vida, os passados e aqueles que ainda estavam por estrear. Mesmo que, como lhe parecia agora inevitável, tivesse que abandonar o seu quarto, mesmo que os lados A e B desaparecessem, mesmo que, um dia, os seus vinis mais não fossem que uma lembrança.

Enquanto a brisa lhe afagasse os cabelos e a música continuasse a soar no seu corpo, ela saberia sempre que nada se tinha perdido e que toda a distância seria sempre alcançável, porque a vida é simples quando se ousa ser feliz.

Por isso foi com um sorriso franco e aberto que, antes de pegar na sua mochila e abandonar o seu quarto, colocou o braço na sexta música do lado A, Wednesday morning at five o'clock, as the day begins. Silently closing her bedroom door…

sexta-feira, 14 de março de 2014

o tempo

Ontem deitei-me a ouvir isto





quando acordei tinham passado 30 anos.

terça-feira, 11 de março de 2014

centauros


O nevoeiro é denso, quase não se vêm as árvores, por isso caminham calma e prudentemente. O bosque torna-se mais escuro à medida que nele se vão embrenhando, mas não param, nem sequer olham para trás. Os cavalos conhecem os caminhos, melhor que eles. Os cavalos sabem ver por dentro do nevoeiro, conhecem-lhe os segredos, não são homens e já deixaram de ser centauros.

quarta-feira, 5 de março de 2014

segunda-feira, 3 de março de 2014

a porta


A porta estava mesmo atrás dele, aberta, franqueando-lhe a saída. Lá fora a rua estava movimentada, ouviam-se risos e conversas, sentia-se a vida a fluir, a cidade a vibrar e estava sol, parecia um dia perfeito, embora ele não soubesse o que isso significava. Pé ante pé aproximou-se da porta, olhou a medo lá para fora e viu tudo aquilo que já esperava ver pelos sons que lhe iam chegando. Pegou então na maçaneta, fechou a porta e deitou fora a chave.

sábado, 1 de março de 2014

adufe


Olhas-me como o som de um adufe, baço e forte, velho e potente, pequeno mas infinito.

Mesmo quando os teus olhos estão fechados, mesmo quando te encontras longe.

O som surge-me intenso e penetrante, pum, pum e eu não sei, não quero fugir dele, porque quero que me olhes como só tu sabes e consegues, como o som dum adufe.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

desenhos


O vento e a água batem forte nas rochas, a espuma que se solta das ondas cria figuras quase humanas. Misturam-se o vento e a água e eles olham espantados para os desenhos que lhe são oferecidos. Afinal também há outras figuras, nem todas humanas, sobre-humanas, infra humanas, desumanas. Nada de anormal enfim, é só mundo a desenhar-se a si próprio.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

asas


Caíam por todo o lado, desfaziam-se como castelos de cartas, aqueles outrora imponentes edifícios, aquelas estruturas que tinham sido construídas para durarem eternidades, pareciam agora meras folhas de papel que, com uma qualquer brisa, facilmente abanavam. Mas não era apenas uma brisa, era um vento traiçoeiro que as fustigava sem dó nem piedade e a nós também. Pudemos então voar finalmente e deixar para trás aquela noção que sempre tivéramos que a vida é feita com os pés bem assentes no chão. Não, não é, afinal é nas asas do sonho que devemos ir.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

tonight we fly

Excelente cover,



mas não tão boa como o original,

segunda mão


Podia ter sido assim:

A areia era preta, escura, pegava-se à pele e aí ficava, resistente. Estava frio e o mar rugia. Do sítio onde estava não conseguia vê-la, até porque o dia estava escuro e ainda por cima cheirava mal. Um horror.
Vi o livro sobre a areia, também ele estava sujo e molhado.
Desisti, virei-me, puxei a gola do casaco para cima e fui andando, calmamente, em direcção ao carro.

 
Ou assim:

Levantou-se então da areia onde tinha estado deitada, aquela areia amarela, quase castanha e deixou que a roupa por lá ficasse, juntamente com o livro que tinha estado a ler. A sua figura ocupava todo o espaço da minha visão, o seu cheiro a rosas frescas chegava-me inebriante, um prazer imenso.
Cheguei-me sorrateiro e peguei no livro, rapidamente o escondi entre a minha roupa e fugi.

 

De qualquer forma seria sempre em segunda mão…





sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

adormecidos


O cavalo sua fortemente, o cavaleiro também. Param o cavalo e o cavaleiro. O cavaleiro salta para o chão e corre para o castelo. Abre as portas e olha para todos os lados. O castelo é enorme, centenas de portas e janelas, de espelhos e candelabros, de tapetes espalhados pelas salas, de escadarias e becos sem saída. Ele corre pelas suas infindáveis salas e procura-a por todo o lado, sabe que ela ali está, mas não sabe onde, naquele labirinto interminável de lugares que, afinal, ele não conhece tão bem como pensava.

De repente ouve-lhe o sorriso, aquele som inconfundível que só pode sair dela. Vira-se, já com a certeza de que ela está atrás de si. Quando se olham tudo se desvanece e agora sim, já podem adormecer em paz…

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

sábado, 8 de fevereiro de 2014

lembro-me

Lembro-me então que o Manel era a tasca onde comprava os rebuçados que vinham embrulhados nos bonecos da bola. Ou que o Duarte era a mercearia ali ao lado. Ou que o Alto era o pequeno jardim em frente à escola. Ou tantas outras palavras que têm o seu significado próprio, mas que para alguém em particular, assumem uma outra significação, um outro conceito, ou outra lembrança, a de uma palavra que se colou à memória e que, para sempre, trará de volta cheiros, sons, regozijos até! Porque é essa a cola dos dias, aquela que nos mantém vivos e nos dá consistência!


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

azuis


Azul, azul a perder de vista, ou então não, só até onde a vista alcança. Aqui e ali almofadas, ou o que parecem ser almofadas, também podem ser pufs, ou sofás, ou colchões fofinhos. Brancos. Imensamente brancos. De vez em quando solta-se um pingo de água desses sofás, ou colchões, ou almofadas.

O ar que os sustêm é leve, mas igualmente forte, porque os sustêm, porque os mantêm assim, brancos, fofinhos. Às vezes o ar transforma-se e sopra forte, mas nem assim assusta, não aqui neste lugar, talvez noutros, mas aqui não, porque aqui nunca passa disso mesmo, uma leve brisa, aprazível, prazenteira, que vai transportando estes colchões, ou almofadas, ou sofás, branquinhos, por esta imensidão de azul, deixando cair uma ou outra gota de uma água transparente que torna o azul em muitas outras cores, aquelas de que são feitos os arco-íris.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Não tragam o frio


Não tragam o frio, vós que vindes de lá, de onde ele é eterno,

Não tragam o gelo preso aos cabelos, vós que não conheceis o sol, a luz, o calor que se desprende das flores…

Deixem que a noite vos guarde lá, onde fim está sempre próximo.

Os outros que vos adivinhem, que não vos vejam, que não vos sintam.

O tempo que procuram não existe aqui, já passou, não volta, porque não sabe como.

Tudo se foi, a tranquilidade que abalaram, a ferocidade que escalaram, o frio que trouxeram.

Tudo esquecemos, tudo se esfumou, rápida e silenciosamente, como se nunca tivesse acontecido, como se tudo não passasse de um sonho mau que se quedou por uma noite fria e negra.

Não nos tragam o frio, vós que não conheceis outros caminhos.

Porque nós já não estaremos aqui.

saudades


Os rapazes saltavam ao eixo soltando risadas animadas.

Tenho saudades…

A bola surgiu do nada e a menina veio logo a seguir, correndo muito, com um sorriso aberto estampado no rosto.

Tenho saudades...

O cão ladrava animadamente, correndo atrás do disco que o dono lhe ia lançando.

Tenho saudades…

O sol estava a pino, a relva era macia e o casal de namorados deleitava-se, trocando carícias.

Tenho saudades…

Fechei a janela, corri o estore e voltei para dentro.

De mim.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

(Meios) Caminhos


Quando chegou à encruzilhada viu que muitos caminhos se abriam a partir daquela clareira.

Havia-os de várias as formas e feitios.

Aquele que se abria largo, bordejado de árvores frondosas e magnificas na sua enormidade.

A seu lado partia um outro, estreitíssimo, escuro, ladeado por árvores cadavéricas, quase mortas, constantemente nuas.

Também havia uma estrada inócua, sem nada que sobressaísse, quase que se sumia na sua insignificância. 

Logo a seguir havia um que começava exactamente numa ponte feita de pedaços de madeira envelhecida, por baixo corria um rio veloz e assustador, de cor amarelada, a sua voz ouvia-se à distância e aquilo que dizia não ajudava à escolha daquela via.

Um pouco mais longe estava outro. Este parecia muito agradável. O sol iluminava-o abundantemente. Havia flores nas suas margens e até uns pássaros coloridos lhe sobrevoavam o curso.

E havia ainda o caminho por onde ali tinha chegado e esse ele já conhecia bem demais, não tinha vontade em percorrê-lo de novo, não lhe apetecia voltar atrás.

Só então reparou que este caminho já lhe estava barrado. Um muro imenso e intransponível surgira entretanto nas suas costas, no momento exacto em que pusera o pé na clareira. Apenas um leve buraco no muro lhe permitia espreitar o que havia deixado lá atrás, mas teve a certeza que nunca mais lá poderia voltar.

Estava exausto, a dúvida assaltava-o de forma abrupta e insistente.

Reparou que o sol se punha por detrás das árvores e resolveu sentar-se. Ficar ali até que uma ideia lhe iluminasse o caminho a seguir.

Sentou-se e notou que, apesar de na clareira já ser noite, todos os caminhos que se abriam para lá dela continuavam exactamente na mesma, como quando ali tinha chegado.

Cansado adormeceu.

Sonhou com todas as estradas e sobretudo com aquela que havia deixado.

Quando acordou olhou-as a todas com outra clarividência.

Pesou os prós e os contras, reflectiu sobre aquilo que pensava ir encontrar em cada um dos destinos, para além das suas aparências. Tomou-as apenas como isso, aparências e soube que, para além delas, outras coisas existiriam, mas também estava consciente de que, apesar disso, elas quereriam significar algo. Algo relevante, mesmo que fosse o contrário daquilo que mostravam.

Viu as sombras e os sóis, as flores e os pássaros, o rio assustador e a estrada soalheira. Acreditou que todos os caminhos lhe trariam sorrisos, mas sobretudo curvas e contracurvas, mesmo aqueles que lhe surgiam como mais apetecíveis.

Esperou, pensou, decidiu…

A escolha estava feita.

Não tinha certezas, longe disso, mas foi com um sorriso confiante que abriu asas e voou sobre a clareira…


 

 

 

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Pão Quente


Sempre se sentira estranha, como se nunca estivesse onde realmente estava, como se flutuasse numa outra realidade que não aquela que diziam concreta, por isso procurava incessantemente outros caminhos, embora, por vezes, lhe dissessem que os caminhos que trilhava eram os mesmos que muitos outros antes dela e muitos outros depois dela também faziam.

Sentia-se só, mesmo que muitas pessoas a rodeassem e, às vezes, eram inúmeras as pessoas que a rodeavam. Mas ela nunca se sentira presa a nada, nem a ninguém e isso, apesar de parecer o contrário, angustiava-a. Foi por isso que, depois de muito procurar, encontrou aquele sítio, que muitos outros antes dela tinham encontrado e que muitos outros depois dela iriam encontrar.

O mar era o seu centro, as casas que o marginavam eram como casulos de onde borboletas iguais a ela saiam em cada manhã e onde cada larva, igual a ela, regressa todas as noites. E quando voltava nunca o fazia sozinha e quando saía, na manhã seguinte, nunca o fazia acompanhada.

Por vezes parava o seu constante vaivém e pensava naquilo que já tinha sido mas, raramente, naquilo que ainda iria ser. E sentia saudades. Não sabia de quê, mas sentia-as. Talvez dos cheiros ou dos sons que lhe haviam marcado momentos, fugazes, quase inexistentes, mas que agora, depois de tantos anos, lhe voltavam num emaranhado de memórias difusas e, no entanto, tão concretas.

Hoje sentia-se mais só, porque hoje, com a idade que já tinha, mas não aparentava, já conseguia dar-se ao luxo de não sair de manhã e de não entrar à noite e, sobretudo, de poder não olhar para ninguém.

Por isso, hoje, abriu a porta da varanda e sentou-se cá fora olhando o mar que, ali tão perto, se manifestava calmo e sorridente.

Lá dentro ele estava ainda deitado. Olhou-o uma última vez e sorriu tristemente. Sabia nem que dali a pouco ele se levantaria e arranjaria alguma desculpa, pegaria nas notas que estavam na mesa-de-cabeceira e sairia para não mais voltar. Mas não era isso que a incomodava, agora era apenas o facto de o pão quente demorar tanto tempo a chegar e hoje percebeu, por fim, que o que mais desejava era poder saborear um pedaço de pão quente com manteiga em cada manhã.