sábado, 1 de fevereiro de 2014

Pão Quente


Sempre se sentira estranha, como se nunca estivesse onde realmente estava, como se flutuasse numa outra realidade que não aquela que diziam concreta, por isso procurava incessantemente outros caminhos, embora, por vezes, lhe dissessem que os caminhos que trilhava eram os mesmos que muitos outros antes dela e muitos outros depois dela também faziam.

Sentia-se só, mesmo que muitas pessoas a rodeassem e, às vezes, eram inúmeras as pessoas que a rodeavam. Mas ela nunca se sentira presa a nada, nem a ninguém e isso, apesar de parecer o contrário, angustiava-a. Foi por isso que, depois de muito procurar, encontrou aquele sítio, que muitos outros antes dela tinham encontrado e que muitos outros depois dela iriam encontrar.

O mar era o seu centro, as casas que o marginavam eram como casulos de onde borboletas iguais a ela saiam em cada manhã e onde cada larva, igual a ela, regressa todas as noites. E quando voltava nunca o fazia sozinha e quando saía, na manhã seguinte, nunca o fazia acompanhada.

Por vezes parava o seu constante vaivém e pensava naquilo que já tinha sido mas, raramente, naquilo que ainda iria ser. E sentia saudades. Não sabia de quê, mas sentia-as. Talvez dos cheiros ou dos sons que lhe haviam marcado momentos, fugazes, quase inexistentes, mas que agora, depois de tantos anos, lhe voltavam num emaranhado de memórias difusas e, no entanto, tão concretas.

Hoje sentia-se mais só, porque hoje, com a idade que já tinha, mas não aparentava, já conseguia dar-se ao luxo de não sair de manhã e de não entrar à noite e, sobretudo, de poder não olhar para ninguém.

Por isso, hoje, abriu a porta da varanda e sentou-se cá fora olhando o mar que, ali tão perto, se manifestava calmo e sorridente.

Lá dentro ele estava ainda deitado. Olhou-o uma última vez e sorriu tristemente. Sabia nem que dali a pouco ele se levantaria e arranjaria alguma desculpa, pegaria nas notas que estavam na mesa-de-cabeceira e sairia para não mais voltar. Mas não era isso que a incomodava, agora era apenas o facto de o pão quente demorar tanto tempo a chegar e hoje percebeu, por fim, que o que mais desejava era poder saborear um pedaço de pão quente com manteiga em cada manhã.

 

1 comentário:

pessoana disse...

Olha, o Pan está de voltaaa!
Gosto deste texto quentinho.

Saiu de um coração a ferver!