quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O Horizonte


O homem estava sentado à porta de sua casa. Os seus olhos fixavam um ponto no horizonte distante. Um ponto que mais ninguém alcançava, que mais ninguém saberia alcançar, porque mais ninguém se atrevia a olhar o horizonte.
O homem sentava-se junto à porta de sua casa todos os dias à mesma hora e fixava-se no horizonte.
Diziam que nunca se mexia, que nem os seus olhos pestanejavam. Nenhum dos seus músculos se movia enquanto ele permanecia ali sentado perscrutando o horizonte.
Chegava sempre de manhã muito cedo, assim pensavam os que ali o viam. Nunca dali saía, acreditavam.
A única certeza era que, todos os dias, ele ali estava. Quedo e mudo, fitando intensamente a linha imaginária que se desenhava lá ao longe, onde tudo podia começar ou até terminar.
Havia quem sempre se lembrasse de ver o homem sentado à porta de sua casa. Não havia, contudo, ninguém que conseguisse afirmar que o havia visto fora daquele lugar.
Não se alimenta, diziam alguns, não necessita, pensavam todos. A sua vida é fixar o horizonte, acreditavam.
Ninguém sabia porquê, ninguém imaginava para quê.
Habituaram-se ao homem que se sentava à porta de sua casa a fixar o horizonte. Já quase não davam por ele.
Um dia o homem levantou-se e caminhou alguns passos, lenta mas decididamente. Pegou na sua cadeira e, poucos metros à frente, parou. Colocou-a cuidadosamente junto a uma pequena laranjeira que por ali se quedava só. À sua sombra se sentou e voltou a contemplar a ténue linha que se desenhava ao longe.
Alguns acercaram-se então do homem, tentaram falar-lhe, perguntar-lhe porquê, porque se tinha movido, porque tinha decidido sair do lugar que sempre tinha sido o seu.
O homem não respondeu, nem os olhou sequer.
Continuava a fixar o horizonte, os olhos presos no exacto lugar para onde sempre estiveram direccionados.
Houve quem insistisse, mas de nada resultaram as perguntas, os apelos que lhe lançaram. Depressa se cansaram e desistiram.
O homem ali ficou, sentado à sombra de uma laranjeira que já se tinha esquecido de existir.
Nos dias seguintes o homem ainda lá estava, bem como a laranjeira. A sua casa, no entanto, tinha desaparecido. Nunca ninguém conseguiu descobrir como nem porquê. Como que se evaporara no ar, num breve segundo de uma noite demasiado escura, sem o mínimo ruído, sem sombra de derrocada, de qualquer tipo de destruição evidente. Desaparecera simplesmente.
O homem continuava, impávido, a olhar o horizonte, debaixo de uma laranjeira a quem, inesperadamente, tinham começado a crescer folhas. O fenómeno intrigou toda a gente. A árvore estava morta há muito tempo e ninguém acreditava que pudesse renascer, porque não é essa a lei da vida.
Não consideravam ser milagre, porque há muito tempo se tinham esquecido que há explicações que só se compreendem para lá do óbvio e depressa esqueceram que uma simples árvore, morta há muito, tinha resolvido renascer.
O homem, esse, continuava sentado debaixo da laranjeira e o mundo que lhe ficava atrás, esse, ia desaparecendo sem ele se dar conta.
Foi por isso que, sem espanto, no dia seguinte já ninguém conseguiu ver o homem levantar-se e iniciar a caminhada em direcção ao horizonte.
Atrás de si todas as casas, caminhos e pessoas tinham desaparecido e o homem nunca se virou, limitou-se a caminhar na única direcção que lhe era permitida.
A seu lado uma laranjeira florida e carregada de sumarentos frutos, acompanhava-o decidida!

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