quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

PEPE e LUPE

Chegou então uma noite em que Pepe, finalmente, cumpriu o que me havia dito e voltou.
Nessa noite Lupe não cantou, nem dançou.
Fitaram-se demoradamente e eu, que estava lá, juro que vi aqueles olhos escuros ficarem claros, quase brancos e depois fecharem-se e assim ficarem pela noite fora.
Houve danças sim e cantorias também. Mas Lupe e Pepe quedaram-se sentados um em frente ao outro, de olhos fechados, mas todos os que lá estávamos sabíamos que se estavam a ver. Mais que isso, que se estavam a conhecer, como só duas almas imortais podem fazer. Viam-se com os olhos da alma que, dizem, são os que melhor vêem.
Quando aquela noite acabou todos pensámos que não mais veríamos Lupe, que o seu encanto tinha acabado para nós e chorámos, chorámos tanto que há quem jure que um pequeno lago se formou logo ali.
Não o vimos, nenhum de nós o viu, tínhamos os olhos inchados de tanto chorar e estávamos cegos por uma dor inaudita, que não fugia, que não fingia.
Saímos um a um e nesse dia ninguém mais nos viu.
Voltámos na noite seguinte, sem esperança, sem vontade, mas não sabíamos outros caminhos, a nossa vida eram aquelas noites, a doce voz de Lupe e a sua dança feiticeira.
Sentámo-nos à volta do tablado e aí ficámos, olhos postos no vazio, alma vazia de tanto sofrer.
Quando a esperança nos parecia sem retorno, ouvimos, lá fora, uma suave melodia, uma voz que conhecíamos tão bem, mas mais distante, não tão quente como era seu costume, quase um lamento e sentimos um forte cheiro apimentado e adocicado.
Saímos para a rua e nada vimos, mas aquele odor inebriante e aquele som mágico continuavam a pairar à nossa volta. A noite estava escura, tão escura como os olhos de Pepe, mas lá no alto brilhavam estrelas, tantas estrelas como nos olhos de Lupe. E assim ficámos, até que a noite nos fez ceder e soubemos qual era o nosso destino, percebemos que não havia remissão possível.
Então cada um de nós cumpriu o seu fadário, porque só assim sabíamos ser possível reencontrar Lupe, continuar a apreciar a sua dança e a inebriarmo-nos com o seu canto.
E à medida que os nossos olhos se iam fechando, encontrámo-nos todos lá, naquela capela perdida no meio de um deserto ardente, onde um cheiro apimentado e doce tudo inundava.
E um a um fomos entrando naquele espaço diminuto, onde um calor que parecia insuportável nos inundava, mas onde sabíamos ir encontrar os nossos desejos, colmatar as nossas necessidades, viver felizes para sempre.
E esperámos que a noite chegasse ao fim.

***

Sem comentários: