quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

PEPE e Lupe

No dia em que conheci Pepe, o ar era denso, quase palpável, pesado. Escaldava.
Vi-o chegar, devagar, como se o mundo o esperasse, como se nada acontecesse enquanto ele não chegasse. Pepe caminhava arrastando os pés. O barulho que fazia lembrava uma pá escavando um terreno duro, impenetrável. Estava vestido com uma roupa velha, suja, coberta por um pó espesso, ocre. Os seus cabelos negros, imensos, estavam igualmente sujos, cheios da poeira dalgum lugar inóspito de onde vinha.
Quando se chegou mais perto de mim, um cheiro intenso cobriu-me por completo. Nunca tinha sentido nada igual. Não era o mais agradável, mas também não era repulsivo e eu senti-me atraído por ele. Nunca soube como descrevê-lo convenientemente, mas a sensação com que fiquei era de algo forte, apimentado e doce ao mesmo tempo.
Perguntou-me se tinha fome. Na verdade não tinha. O calor fazia-me muita sede mas nunca fome.
Ele resolveu comer. Era aquela hora em que comia sempre. Quando abriu a pequena sacola onde trazia o seu almoço, experimentei, de novo, aquela sensação. De lá saiu um cheiro doce e acre ao mesmo tempo, muito condimentado. Se alguma vez comesse aquilo, pensei, arderia por dentro até ao fim dos meus dias. Curiosamente, tive a certeza que aquela sempre tinha sido a refeição de Pepe.
Depois de comer Pepe levantou-se devagar e sorriu. Fechou calmamente a sua sacola e desceu um chapéu enorme, que trazia preso ao pescoço, sobre os seus olhos. Uns olhos negros e profundos. Pareciam dois pedaços de carvão queimado. Embora, por vezes, fosse possível ver-lhes um brilho fugaz, fugaz mas intenso, como se o sol ali se tivesse mostrado por breves instantes.
Depois voltou pelo mesmo caminho por onde viera e, sem se virar, disse-me que iria voltar mais cedo do que poderiam esperar. Afirmou ter percebido que por ali precisavam dele.
Enigmático acrescentou, diz-lhes para esperarem por mim.

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