terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Pepe e LUPE

Lupe gostava de dançar.
Lupe dançava todas as noites. Não por obrigação, mas porque era assim que se sentia bem, era essa a sua natureza. Desprendia a alma e deixava-se ir, vogando não se sabe bem por onde, escutando os sons que a orquestra tocava, mas estando muito acima deles. Lupe era um pássaro à solta, uma liberdade conquistada. Nessas alturas Lupe não existia apenas, era mais que um corpo e uma alma, mais que sangue e carne, que espírito e matéria, nessas alturas Lupe estava para lá do tangível.
Conheci-a numa dessas noites, em que vogava acima dos mortais. Todos os que ali estavam presentes a sentiam de maneira diferente e todos por ela ficavam encantados.
Quando assim era sentíamos o seu vestido esvoaçar perto das nossas cabeças e a brisa que cada volteio levantava, era quase uma bênção naquelas noites de um calor inclemente.
Lupe também gostava de cantar.
Lupe cantava todas as noites. Não por dever. Mas porque era assim que tinha que ser, era desse modo que a sua natureza se espelhava. Fechava os olhos e soltava as amarras duma voz única, inconfundível. Da sua garganta saltavam momentos de pura magia, delícias sem igual. E não importavam as palavras, nunca importaram as palavras. Era apenas o som, um som como não havia outro igual.
Na noite em que a conheci também cantou. E o encanto era geral.
Todos nós ali ficámos, petrificados, com a boca aberta e os olhos fixos, ouvindo cada nota, bebendo sofregamente cada trinado, sabendo que só depois disso poderíamos ter descanso. Nunca completo, porque tínhamos ficado enfeitiçados e quem já ficou enfeitiçado sabe que nunca há descanso até que o feitiço se quebre. Mas todos nós também sabíamos que não queríamos quebrar aquele feitiço.
Quando acabava, Lupe abria os olhos e voltava a ser uma rapariga normal. Nós não!
E ela despedia-se de cada um com um sorriso e um leve pestanejar de olhos. Aqueles olhos profundos, mais fundos que uma noite escura de lua nova e com um brilho que só podia ser iluminado pelas estrelas.
De manhã, quando finalmente acordávamos, sabíamos que a luz daqueles olhos nos acompanharia todo o dia e que, quando a noite regressasse, uma nova brisa nos iria limpar o suor do rosto e a poeira dos olhos, preparando-os para um novo olhar de Lupe.


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