quarta-feira, 13 de julho de 2011

Histórias com Música (51)

Chegou-se a mim de olhos muito vermelhos, balbuciando palavras sem nexo aparente, deixando um rasto de dúvidas atrás de si.
Eu olhei-o com um misto de surpresa e piedade.
Tinha-o conhecido há muito tempo. Éramos ainda quase crianças, corríamos muito no pequeno jardim que ficava logo à frente de nossas casas. Nessa altura podíamos sair à vontade, correr até ao jardim, atravessar a estrada sem olhar para os lados e até jogar á bola na esquina mais próxima. Porque nessa altura a rua era só nossa, nossa e de alguns outros amigos que, por vezes, vinham brincar connosco. Nessa altura o mundo estava no seu inicio e nós ansiávamos por descobri-lo todos os dias. Cada novo dia cheio de histórias por descobrir, de aventuras por começar. Era uma vida cheia, mal tínhamos tempo para dormir.
Sem repararmos o relógio avançou depressa, depressa demais. E deixamos de jogar á bola na rua, largámos as risadas fáceis de criança e lançámo-nos noutro mundo. De olhos fechados, de braços abertos. Não porque soubéssemos para onde íamos, mas porque, nessa altura, não queríamos saber de perigos, éramos infalíveis e ai de quem nos repreendesse, nunca mais o olharíamos, aliás, nunca mais o veríamos. Nessa altura éramos os reis do mundo, mesmo que este já estivesse sujo e não nos protegesse como o fazia há anos atrás.
E depois separamo-nos. Escolhemos estradas diferentes. Optamos por outras encruzilhadas e, mesmo sem o sabermos, decidimos o caminho a tomar ignorando que a porta se fechava atrás de nós.
Vejo-o agora, quando já não o via há muito tempo, quase o tinha esquecido. Vem ter comigo de braços abertos, de mãos estendidas e, juro, não me quer abraçar por ter sentido saudades minhas. Mas porque, tal como eu, ainda não perdeu a esperança de encontrá-la.
Quer agarrar-me porque já não sabe onde pode encontrar outra tábua de salvação. Alguém que lhe dê a mão e o faça recuar no tempo, até aqueles dias felizes, mesmo sabendo que não há retorno possível.
Ele quer, e eu também, fechar os olhos em sossego e partir para outra aventura, voltar para aquele sitio quando o mundo estava no seu inicio e o jardim estava logo à saída de casa. Embora, eu e ele, saibamos que depois de fecharmos os olhos apenas a dúvida restará, pelo menos para aqueles que não nos conheceram e não sabem o que fazer a dois velhos agarrados um ao outro de olhos fechados e petrificados num aparente sorriso triste.


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