quinta-feira, 28 de abril de 2011

Histórias com Música (43)

Quis saber quem sou
o que faço aqui…


Nos seus olhos sentia-se o medo. Não era um medo feio e frio. Era um medo esperançoso.
Um olhar onde se podia ler um conjunto de emoções fortes e decisivas.
O coração batia mais depressa, havia uma pressa em chegar, uma ânsia em conseguir.
As mãos retesavam-se nervosas, agarrando com força as armas.
Não sabiam muito bem onde iam, mas iam com uma vontade sem freio, com uma determinação inabalável.
As palavras que lhes haviam dito há pouco tinham-lhes despertado uma consciência que nem sabiam existir em si. Tinham-lhes feito ver coisas com que nunca tinham sonhado.
Agora estavam despertos para aquilo que eram e sabiam que o que depois viria poderia mudar a sua vida.
A sua e a de tantos outros.
A de um país inteiro.
Alguns trauteavam ainda as palavras que tinham ouvido na canção que os havia despertado naquela noite.

…perguntei por mim
quis saber de nós…


O caminho era ainda longo.
Eles olhavam-se expectantes. Sorriam uns para os outros. Sorrisos tímidos. Por vezes soltava-se uma gargalhada nervosa.
Longas baforadas de fumo sobrevoavam a s suas cabeças.
A noite estava fria, mas todos, sem excepção, sentiam um calor que lhes vinha de dentro e que subia perfeito no peito de cada um.
Lá á frente viam o jeep que abria a coluna.
Ele ia em pé. Não se sentara um segundo. Também ele estava nervoso. Decerto o seu olhar tinha o mesmo tipo de medo que todos ostentavam. Mas cada um dos homens que ali ia, sabia igualmente que não havia determinação maior.
E todos estavam com ele. Segui-lo-iam para onde quer que fosse.
Também nele as palavras da canção se iam materializando a cada momento.

…morri nele
e ao morrer
renasci…


Era certo que havia uma necessidade de renascer. De tornar possíveis coisas até aí impensáveis. De poder cantar e dizer, de poder discordar e perceber.
A morte tinha andado à solta por muito tempo. Este era o momento de parar com tudo o que tornara impossível a felicidade. De acabar com tantos anos de escuridão, de abrir uma janela por onde pudesse entrar a esperança de um novo sol.
E eles ali estavam para isso.
Era isto que ele pensava.
Tinha sido isto que tinha dito aos seus homens, mesmo que tivesse usado outras palavras, mesmo que tivesse apenas ficado parado e calado em frente a eles.
Eles saberiam ler nos seus olhos tudo aquilo que ele lhes queria dizer, tudo o que lhe ia no fundo do coração.
E todos eles o acompanharam sem hesitação, sem perturbação sequer.
Com todas as dúvidas a assaltarem-nos, mas com uma convicção forte, sem limites.
Todos estavam juntos nisto.
Eles e todos os outros que, como eles, se tinham posto a caminho naquela noite. Depois de a canção ter soado.
E eram muitos, todos na mesma direcção.
Mesmo que a sua vida nunca mais fosse a mesma, mesmo que a dor sobreviesse e os levasse, eles estavam convictos de que o seu caminho era aquele.

…tua paz
que perdi
minha dor
que aprendi…


Quando a manhã se levantou encontrou-os perto do rio. Expectantes. Nunca como agora.
Depois de todo o caminho tinham chegado e ali estavam, prontos para tudo.
Em cada olhar continuava a pairar o mesmo medo, mas agora a luz do sol e os reflexos da água tinham-lhe dado uma outra cor e eles, todos eles, sabiam
que apesar de todas as despedidas inevitáveis, de todas as partidas obrigatórias, nunca mais iriam ficar sós.

…e depois de nós
o adeus
o ficarmos sós.


Capitão! Meu capitão Maia! Estamos prontos!

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