quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Cascais, 6 de Março de 1975

Gostava de ter ido a Cascais naquele dia 6 de Março de 1975. Não fui, na realidade não fui. Mas apesar de tudo acabei por conseguir ir, algum tempo depois, fui, muitas vezes. Ainda lá vou agora e revejo tudo, mas tudo, o que se passou naquele dia, apesar de todos estes anos que entretanto passaram e de tantas, tantas coisas que mudaram.
Naquele dia de Março, naquele em que eu fui, vi-os sozinho, ali à minha frente, quais fantasmas bons, daqueles que nos assustam porque nós assim desejamos e foi isso que eu vi. Um anjo vestido de negro, mascarado de fantasma, disfarçado de muitas coisas que só ele conseguiu imaginar, para nos mostrar, me mostrar, a magia que trazia dentro de si, que lhe transbordava e que ele não conseguia aguentar sozinho. Criou-a e ofereceu-a a nós, a mim, que não estava lá naquele dia, mas que estive todos os outros, lá, em Cascais, como no meu quarto, na minha rua, na minha escola, em todos os lugares onde habitei e ainda habito. Percebi o que me disse, o que me disseram, aquele anjo mascarado e os outros, os que o acompanhavam e que, embora não fossem anjos, seriam decerto ajudantes, ou anjos mais pequenos, ou querubins duma galáxia qualquer, dum turbilhão de emoções que, parecendo terrenas, estavam para lá disso.
 Gostava de ter lá estado para os receber com o meu corpo de jovem acabado de sair de uma infância protegida, gostava de ter entrado na onda libertária que se tinha inaugurado e vê-los e ouvi-los com todas as ganas despertas para perceber melhor o que descobri depois, mesmo sem ter lá estado naquele dia, embora o tenha vivido muitas vezes depois de ele, aparentemente, já ter passado. Ter visto o cordeiro ser sacrificado, ter percebido a loucura dum estranho numa terra estranho, ter percorrido mundos imaginados, criados por uma mente alucinada, ou apenas afectada, fértil em imaginação, ou desprovida dela. Ter seguido por caminhos onde surgiam monstros inimagináveis, cheios de um horror magnético, que nos cercava e nos puxava para o seu interior, o interior de uma caixa onde não é possível ver a luz, mas de onde irradia um brilho intenso, imenso, que, ao cercar-nos, nos coloca num casulo de onde nunca conseguiremos sair.
Ficámos (fiquei), pois, deitados numa rua estreita e escura duma cidade enorme, que nos (me) sufoca, mas que, ao mesmo tempo nos (me) liberta para o som supremo, aquele de onde nunca vamos (vou) querer sair. Até que uma mão amiga, dum irmão talvez, nos (me) consegue segurar e evitar que nos (me perca) percamos nos rápidos duma cascata que nos (me) suga. Foi isto que eu vi naquele dia longínquo de Março de 1975, em Cascais, onde não estive, mas que intuí ao longo da vida, da minha vida.
Real? Não, apenas Rael!

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