terça-feira, 7 de junho de 2011

Histórias com Música (47)

Está calor, muito calor. Sinto o suor a escorrer por todos os meus poros, esta água peganhenta que se vai escapando pelo meu corpo e que me ensopa os olhos, que me faz arder os olhos, que quase não me deixa ver.
Lá fora está a multidão. Ouço-lhes as vozes, percebo-lhes uma espécie de canto, uma emoção contida que vai subindo a cada minuto que passa. Sei-lhe os olhares, também eles quentes, mas de um calor devastador, quase que um ódio.
Também o vejo a ele, na sua roupa colorida, uma sorte de palhaço rico. Deve estar a sorrir agora, um sorriso nervoso, cheio de um medo que julga não ter, mas que o preenche totalmente.
Sei que ele me vê aqui onde estou, que me teme, embora tanto eu como ele já saibamos o desfecho.
Certamente que tudo farei para lhe dificultar a tarefa, certamente que lhe darei luta, que participarei na festa. Foi para isso que me criaram, vou só para isso que me trouxeram aqui.
Não os desiludirei.
Podia estar menos calor. Podia talvez chover. Sim o céu podia chorar por mim, pela minha última corrida, pela minha glória.
Já ouço o trompete. Falta muito pouco.
As vozes estão agora mais claras, gritos, urros, demências de quem não tem coragem para me olhar nos olhos e, no entanto, deseja a minha morte.
Ao menos o palhaço rico estará perante mim, chamar-me-á pelo nome, ou por aquilo que julga ser o meu nome, porque esse, o verdadeiro, também ele não conhece. Agitará a sua capa pensando que assim me atrairá, mas não é isso que levará até ele, isso ele também não o sabe.
Eu irei para ele sim, contra ele até, mas não porque ele me chamará, mas porque só assim poderei alcançar a liberdade com sempre sonhei, só desse modo poderei correr pelas planícies onde me sentirei feliz. E depois voltarei a ser quem sempre quis ser.
Ele já lá está, bem no centro do terreno, à minha espera, agora não sorri, tem todo o medo concentrado na mão que segura a espada.
A porta abre-se lentamente à minha frente…
Raspo os cascos no chão duro e preparo-me para partir numa corrida desenfreada, direito a ele. Um de nós será perdoado nesta noite, só um de nós sobreviverá.
Fecho os olhos e inicio a corrida, tudo está silencioso agora, o tempo está suspenso em nós.
A luta começou…

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