sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Picadilly Circus


Tinha chovido na véspera, muito, o Outono seguia o seu caminho, normal, imparável. Eu estava sentado na marquise de casa dos meus avós e olhava para o céu que se abria em tons de azul claro, depois de as nuvens terem passado. Nos vidros da enorme janela ainda deslizavam os pingos da chuva que tinha caído na véspera.

Ao meu lado a voz serena da avó Inês ia contando histórias, das verdadeiras, daquelas que tinham mesmo acontecido, nada de invenções, a não ser aquelas que ajudavam a colorir os acontecimentos passados, dando-lhes tonalidades mais vivas ou mais escuras, conforme o rumo da história.

Às vezes a Avó Inês pegava-me na mão e fazia-me festas, outras vezes sentava-me no seu colo e eu ali ficava gozando aquele calor tão saboroso.

Naquele dia, quando a manhã já findava, abri a porta que dava para o quintal e corri em direcção à tangerineira, colhi as tangerinas ainda vivas e saboreei cada gomo como se fosse o último prazer permitido. No cimo das escadas que davam acesso ao quintal a avó sorria, o sorriso mais carinhoso que alguma vez vira, que nunca mais vi. No seu colo estava a minha irmãzinha que tinha acabado de chegar ontem.

Veio de cegonha dissera a minha avó sorrindo, chegou de Londres e dando uma risada acrescentou, não acredites quando te disserem que os bebés vêm de França, vêm é de Londres, de Picadilly Circus, que é a praça mais engraçada do mundo, é a mais familiar, aquela onde te sentes mais em casa.

Eu sorri também, nunca fora a Londres, mas já sabia que quando fosse, Picadilly Circus seria a minha primeira paragem e sabia também que iria adorar aquela praça, para sempre.

Voltei então a olhar o céu que se mantinha azul, sorri para a avó e para a minha irmãzinha e colhi outra tangerina.

Naquele dia percebi que tinha começado a ver o mundo de uma outra forma.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O berlinde vermelho berrante


O Tadeu costumava vir brincar connosco, ou, pelo menos, tentava.

Todas as manhãs vinha, sorrateiro, sentar-se junto a nós no caramanchão que ficava no meio do jardim. Nunca falava mas ria-se muito das piadas que dizíamos, trazia sempre o seu saco de berlindes coloridos mas nunca se atrevia a jogar connosco, embora todos lhe disséssemos para o fazer, todos menos o Baltazar que nem para ele olhava.

Naquela manhã o Tadeu estendeu-me o seu saco de berlindes coloridos e, a medo, disse-me, escolhe um, eu sorri-lhe e escolhi um vermelho berrante, agradeci-lhe e, nesse dia, só joguei com o berlinde vermelho berrante. Ganhei sempre.

No fim do dia dei o berlinde ao Baltazar. Ficou admirado, porque seria que eu lhe estava a dar o berlinde que o Tadeu me tinha oferecido? Eu não lhe disse nada, peguei – lhe na mão e nela coloquei o berlinde. Depois virei-me para o Tadeu e dei-lhe o meu berlinde da sorte, o amarelo. Fui para casa.

Na manhã seguinte os berlindes começaram a rolar cedo. O Baltazar ia ganhando todos os jogos com o berlinde vermelho berrante. O Tadeu ali estava, olhando para o jogo com o berlinde amarelo na mão.

O Baltazar chamou-o e disse-lhe, joga connosco. O Tadeu, quase a medo, lá se ajoelhou junto a nós e quando se preparava para lançar o berlinde amarelo o Baltazar, sorrindo, estendeu-lhe o berlinde vermelho berrante e disse-lhe, joga antes com este.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013