Tinha chovido na véspera, muito, o Outono seguia o seu
caminho, normal, imparável. Eu estava sentado na marquise de casa dos meus avós
e olhava para o céu que se abria em tons de azul claro, depois de as nuvens
terem passado. Nos vidros da enorme janela ainda deslizavam os pingos da chuva
que tinha caído na véspera.
Ao meu lado a voz serena da avó Inês ia contando histórias,
das verdadeiras, daquelas que tinham mesmo acontecido, nada de invenções, a não
ser aquelas que ajudavam a colorir os acontecimentos passados, dando-lhes
tonalidades mais vivas ou mais escuras, conforme o rumo da história.
Às vezes a Avó Inês pegava-me na mão e fazia-me festas,
outras vezes sentava-me no seu colo e eu ali ficava gozando aquele calor tão
saboroso.
Naquele dia, quando a manhã já findava, abri a porta que
dava para o quintal e corri em direcção à tangerineira, colhi as tangerinas
ainda vivas e saboreei cada gomo como se fosse o último prazer permitido. No
cimo das escadas que davam acesso ao quintal a avó sorria, o sorriso mais
carinhoso que alguma vez vira, que nunca mais vi. No seu colo estava a minha
irmãzinha que tinha acabado de chegar ontem.
Veio de cegonha dissera a minha avó sorrindo, chegou de
Londres e dando uma risada acrescentou, não
acredites quando te disserem que os bebés vêm de França, vêm é de Londres, de
Picadilly Circus, que é a praça mais engraçada do mundo, é a mais familiar,
aquela onde te sentes mais em casa.
Eu sorri também, nunca fora a Londres, mas já sabia que
quando fosse, Picadilly Circus seria a minha primeira paragem e sabia também
que iria adorar aquela praça, para sempre.
Voltei então a olhar o céu que se mantinha azul, sorri para
a avó e para a minha irmãzinha e colhi outra tangerina.
Naquele dia percebi que tinha começado a ver o mundo de uma
outra forma.