Nunca até aquele dia ele tinha sentido necessidade de ser. Nunca pensara nisso sequer. Era uma palavra, uma ideia que nunca lhe passara pela cabeça. Não precisava. Toda a sua vida tinha sido assim. Fácil. Fácil demais.
Nascera bem. Em berço de ouro, disseram-lhe.
Crescera depressa. Nem se lembrava de ter sido criança. Nunca olhava para trás. O seu caminho era apressado. A sua vida era uma corrida de fundo com muitas acelerações pelo meio.
Sempre gostara que assim fosse. Esquecia rapidamente o que ficava atrás de si. E as pessoas também. Nunca ninguém o olhava nos olhos. Ninguém tinha coragem para o fazer. Todos lhe baixavam a cabeça.
Não, não se sentia superior. Era-lhe natural. Nunca tinha pensado muito nisso. Na sua vida não tinha tempo para coisas mesquinhas. Para parar. Para olhar o céu, ou as árvores. E muito menos para as pessoas.
Casara, tivera filhos, sabia-lhes os nomes e pouco mais. Divorciara-se e já nem se lembrava da cara da sua mulher. Para quê? Tinha ficado para trás e ele nunca olhava para trás. Ele nunca parava. Nunca tinha sentido necessidade.
Até aquele dia.
Nesse dia descobriu que havia palavras que não conhecia, que havia caras que lhe traziam recordações. E ele nem sabia o que eram recordações.
Nesse dia entendeu que havia mais vidas para além da sua e que as pessoas sabiam sorrir e falar umas com as outras.
Naquele dia ele olhou para trás e notou que os seus olhos se humedeciam.
Naquele dia ele percebeu o que era estar vivo e ser pessoa.
E, mesmo antes de soltar o último suspiro, conseguiu dizer:
…lamento…
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