(...)Sei que lhe deixei de sentir a falta, quase a esqueci.
Também notei que nessa altura o sol andou mais escondido e os dias ficaram mais cinzentos. Raramente saía.
E fui mirrando.
Sentia-me mirrar.
O meu corpo ia desaparecendo.
Dias houve em que podia jurar que não via os meus pés. Noutros as mãos.
Sentia-me entorpecido, muito para além de dormente. Muitas vezes nem me sentia.
Foi aí que pensei que tinha chegado o fim.
Então, numa noite, resolvi sair. Talvez para me despedir da cidade e de mim próprio.
As ruas estavam desertas e estava muito escuro. A lua não se desenhava nessa noite.
Deambulei por todas as ruas que conhecia tão bem e não vi vivalma até que me deparei com ele.
Estava parado a olhar para mim, parecia estar à minha espera e percebi que me via muito bem.
Fui-me aproximando devagar. Senti, sem ponta de dúvida, que já tinha vivido aquele momento.
Quando cheguei mais perto, vi que ele segurava algo na mão direita.
Algo que brilhava no escuro.
Senti medo, coisa que já não experimentava havia muito tempo e parei.
Ele foi-se aproximando devagar e sorrindo.
Quando se chegou mais perto levantou a mão e espetou, lenta e eficazmente, a pequena lâmina mesmo no centro do meu peito. Depois desapareceu a correr.
Eu espantei-me primeiro e depois percebi, no exacto momento em que a dor regressou forte, que tinha voltado a sentir.
É por essa razão que volto a este local sempre que dor me falha. Sei que sempre o hei-de encontrar por aqui…
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