quinta-feira, 14 de maio de 2009

Olhares


De cada vez que saía à rua sentia os olhos presos à sua nuca. Eram uma presença constante, que a acompanhava durante quase todo os caminhos que fazia a pé.
Da primeira vez tinha-se sentido assustada, evitou voltar-se com receio do que poderia ver. Deixou simplesmente que a sensação a abandonasse para se poder voltar. Quando o fez não viu ninguém.
Nos dias seguintes os olhos voltarem a prender-se à sua nuca e continuou a não ter coragem para os olhar. Sentia-os vivos, sentia a sua presença e a força com que a olhavam, mas não os conseguia encarar
Um dia sentiu-os mais perto, quase a tocar-lhe e então parou, desejou que os olhos vissem os seus, mas tal não aconteceu. Podia jurar que, no dia seguinte, os olhos tinham falado, tinham sussurrado segredos, tinham até exalado um cheiro suave mas penetrante. Sentiu-os mais presentes que nunca, mas quando a vontade de se voltar se tornou insuportável, o medo falou mais alto e não se voltou.
Até que chegou o dia em que não os sentiu. Nesse dia virou-se. Nesse dia procurou-os. Nesse dia ficou-se pela rua até a noite chegar. Nesse dia os olhos não vieram.
Nesse dia fechou os seus olhos e jurou que só os abriria quando a sensação voltasse. Nesse dia fechou-se para o que lhe estava à volta e foi então que descobriu que os olhos só conseguem ver o que o coração lhes mostra.

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