domingo, 6 de março de 2011

Olá (V)

(...)
- Ser? Ser é viver, é ter alma e sangue e vida.
- Pois aqui não há nada disso. Aqui está-se, pura e simplesmente.
- E onde estou eu?
- Aqui.
- E isso o que é?
- Isso, não é. Estás num não local, numa não vida, num não espaço. Aqui tudo é possível, porque aqui nada se pode prever, nem esperar, nem querer.
- Nem espaço. Aqui não há espaço. Não vejo mais ninguém para além de ti. Nem coisa alguma. Diria que estou num vazio.
- É boa essa definição. Sim, acho que podes dizê-lo. Estás numa espécie de vazio.
- E como é possível ver-te e falar contigo e até sentir-me?
- E tu sentes-te agora. Sentes-te realmente?
- É verdade, ainda não tinha reparado. Não me sinto. Mas sei-me.
- Isso é bom. Nem todos aqui chegam com essa sensação, com essa certeza.
- Não sei se é uma certeza. Mas sei que eu sou eu.
- Isso meu caro, é muita sabedoria. E quem és tu?
- Sei o meu nome, onde nasci, onde vivi, o que fiz e o que não tive coragem de fazer.
- E isso dá-te a tua medida? Isso faz com que te conheças verdadeiramente?
- Assim penso.
- Então diz-me outra vez, quem és tu?
- Sou eu ora essa.
- E o que é isso?
- Deixas-me confuso.
- Não, o que eu acho é que tu és confuso.
- Serei sim, também o acho, mas não faz isso parte da condição humana?
- Creio que terás razão. Os humanos são muito estranhos.
- Estranhos? Porque dizes isso? Não serás tu também humano?
- Humano, eu? Então ainda não percebeste?
(...)

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