Naquele dia lembrou-se do tempo em que ainda falava. Já tinham passado muitos anos, mas, ainda assim essa memória veio-lhe viva e forte. Lembrou-se de como os dias eram grandes e sobretudo com muito sol. Nesses dias falava com as pessoas, com os animais, com as plantas, soavam-lhe bem as palavras que pronunciava, tinha prazer em ouvir-se e em que os outros o ouvissem, sabia que dizia as coisas no tempo certo, com a certeza de que não exagerava, de que tudo era dito consoante o seu desejo e a vontade que os outros tinham em escutá-lo.
Curiosamente não se conseguiu recordar porque tinha deixado de falar. Sabia que os dias se tinham tornado cinzentos, antes da escuridão profunda chegar, e depois disso não mais clarearam, foi nessa altura que se tornou invisível. Quando, raramente, se atrevia a sair à rua, sabia que ninguém o via e sabia também que não queria ser visto por ninguém. Por isso não abria a boca, não deixava sair suspiro e muito menos palavra. Tanto tempo passou assim que deixou até de falar consigo mesmo. Houve dias em que jurava não ter tido um único pensamento. Um vazio completo. Um nada imenso. E deu por si a gostar de estar assim, a saborear a sua nova condição, a não saber ser de outro modo.
A concha onde vivia fechava-se mais a cada dia que passava.
Naquele dia reparou que ainda havia sol e talvez por isso se tenha lembrado de tanta coisa. Quando, depois, olhou para dentro de si percebeu que o seu destino estava traçado há muito e que o caminho não poderia ser outro. Selou assim a sua concha e deixou que as ondas o levassem para o único lugar onde poderia sobreviver.
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