Sempre se sentira estranha, como se nunca estivesse onde
realmente estava, como se flutuasse numa outra realidade que não aquela que
diziam concreta, por isso procurava incessantemente outros caminhos, embora,
por vezes, lhe dissessem que os caminhos que trilhava eram os mesmos que muitos
outros antes dela e muitos outros depois dela também faziam.
Sentia-se só, mesmo que muitas pessoas a rodeassem e, às
vezes, eram inúmeras as pessoas que a rodeavam. Mas ela nunca se sentira presa
a nada, nem a ninguém e isso, apesar de parecer o contrário, angustiava-a. Foi
por isso que, depois de muito procurar, encontrou aquele sítio, que muitos
outros antes dela tinham encontrado e que muitos outros depois dela iriam
encontrar.
O mar era o seu centro, as casas que o marginavam eram como
casulos de onde borboletas iguais a ela saiam em cada manhã e onde cada larva,
igual a ela, regressa todas as noites. E quando voltava nunca o fazia sozinha e
quando saía, na manhã seguinte, nunca o fazia acompanhada.
Por vezes parava o seu constante vaivém e pensava naquilo
que já tinha sido mas, raramente, naquilo que ainda iria ser. E sentia
saudades. Não sabia de quê, mas sentia-as. Talvez dos cheiros ou dos sons que
lhe haviam marcado momentos, fugazes, quase inexistentes, mas que agora, depois
de tantos anos, lhe voltavam num emaranhado de memórias difusas e, no entanto,
tão concretas.
Hoje sentia-se mais só, porque hoje, com a idade que já
tinha, mas não aparentava, já conseguia dar-se ao luxo de não sair de manhã e
de não entrar à noite e, sobretudo, de poder não olhar para ninguém.
Por isso, hoje, abriu a porta da varanda e sentou-se cá fora
olhando o mar que, ali tão perto, se manifestava calmo e sorridente.
Lá dentro ele estava ainda deitado. Olhou-o uma última vez e
sorriu tristemente. Sabia nem que dali a pouco ele se levantaria e arranjaria
alguma desculpa, pegaria nas notas que estavam na mesa-de-cabeceira e sairia
para não mais voltar. Mas não era isso que a incomodava, agora era apenas o
facto de o pão quente demorar tanto tempo a chegar e hoje percebeu, por fim,
que o que mais desejava era poder saborear um pedaço de pão quente com manteiga
em cada manhã.
1 comentário:
Olha, o Pan está de voltaaa!
Gosto deste texto quentinho.
Saiu de um coração a ferver!
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