quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014
desenhos
O vento e a água batem forte nas rochas, a espuma que se
solta das ondas cria figuras quase humanas. Misturam-se o vento e a água e eles
olham espantados para os desenhos que lhe são oferecidos. Afinal também há
outras figuras, nem todas humanas, sobre-humanas, infra humanas, desumanas.
Nada de anormal enfim, é só mundo a desenhar-se a si próprio.
terça-feira, 18 de fevereiro de 2014
asas
Caíam por todo o lado, desfaziam-se como castelos de cartas,
aqueles outrora imponentes edifícios, aquelas estruturas que tinham sido
construídas para durarem eternidades, pareciam agora meras folhas de papel que,
com uma qualquer brisa, facilmente abanavam. Mas não era apenas uma brisa, era
um vento traiçoeiro que as fustigava sem dó nem piedade e a nós também. Pudemos
então voar finalmente e deixar para trás aquela noção que sempre tivéramos que
a vida é feita com os pés bem assentes no chão. Não, não é, afinal é nas asas
do sonho que devemos ir.
sábado, 15 de fevereiro de 2014
segunda mão
Podia ter sido assim:
A areia era preta, escura, pegava-se à pele e aí ficava,
resistente. Estava frio e o mar rugia. Do sítio onde estava não conseguia
vê-la, até porque o dia estava escuro e ainda por cima cheirava mal. Um horror.
Vi o livro sobre a areia, também ele estava sujo e molhado.
Desisti, virei-me, puxei a gola do casaco para cima e fui
andando, calmamente, em direcção ao carro.
Levantou-se então da areia onde tinha estado deitada, aquela
areia amarela, quase castanha e deixou que a roupa por lá ficasse, juntamente
com o livro que tinha estado a ler. A sua figura ocupava todo o espaço da minha
visão, o seu cheiro a rosas frescas chegava-me inebriante, um prazer imenso.
Cheguei-me sorrateiro e peguei no livro, rapidamente o
escondi entre a minha roupa e fugi.
De qualquer forma
seria sempre em segunda mão…
sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014
adormecidos
O cavalo sua fortemente, o cavaleiro também. Param o cavalo
e o cavaleiro. O cavaleiro salta para o chão e corre para o castelo. Abre as
portas e olha para todos os lados. O castelo é enorme, centenas de portas e
janelas, de espelhos e candelabros, de tapetes espalhados pelas salas, de
escadarias e becos sem saída. Ele corre pelas suas infindáveis salas e
procura-a por todo o lado, sabe que ela ali está, mas não sabe onde, naquele
labirinto interminável de lugares que, afinal, ele não conhece tão bem como
pensava.
De repente ouve-lhe o sorriso, aquele som inconfundível que
só pode sair dela. Vira-se, já com a certeza de que ela está atrás de si.
Quando se olham tudo se desvanece e agora sim, já podem adormecer em paz…
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014
sábado, 8 de fevereiro de 2014
lembro-me
Lembro-me então que o Manel
era a tasca onde
comprava os rebuçados que vinham embrulhados nos bonecos da bola. Ou que o Duarte era a mercearia ali ao lado. Ou que
o Alto era o pequeno jardim em
frente à escola. Ou tantas outras palavras que têm o seu significado próprio,
mas que para alguém em particular, assumem uma outra significação, um outro
conceito, ou outra lembrança, a de uma palavra que se colou à memória e que, para
sempre, trará de volta cheiros, sons, regozijos até! Porque é essa a cola dos
dias, aquela que nos mantém vivos e nos dá consistência!
sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014
azuis
Azul, azul a perder de vista, ou então não, só até onde a
vista alcança. Aqui e ali almofadas, ou o que parecem ser almofadas, também
podem ser pufs, ou sofás, ou colchões
fofinhos. Brancos. Imensamente brancos. De vez em quando solta-se um pingo de
água desses sofás, ou colchões, ou almofadas.
O ar que os sustêm é leve, mas igualmente forte, porque os
sustêm, porque os mantêm assim, brancos, fofinhos. Às vezes o ar transforma-se
e sopra forte, mas nem assim assusta, não aqui neste lugar, talvez noutros, mas
aqui não, porque aqui nunca passa disso mesmo, uma leve brisa, aprazível,
prazenteira, que vai transportando estes colchões, ou almofadas, ou sofás,
branquinhos, por esta imensidão de azul, deixando cair uma ou outra gota de uma
água transparente que torna o azul em muitas outras cores, aquelas de que são
feitos os arco-íris.
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014
Não tragam o frio
Não tragam o frio, vós que vindes de lá, de onde ele é
eterno,
Não tragam o gelo preso aos cabelos, vós que não conheceis o
sol, a luz, o calor que se desprende das flores…
Deixem que a noite vos guarde lá, onde fim está sempre
próximo.
Os outros que vos adivinhem, que não vos vejam, que não vos
sintam.
O tempo que procuram não existe aqui, já passou, não volta,
porque não sabe como.
Tudo se foi, a tranquilidade que abalaram, a ferocidade que
escalaram, o frio que trouxeram.
Tudo esquecemos, tudo se esfumou, rápida e silenciosamente,
como se nunca tivesse acontecido, como se tudo não passasse de um sonho mau que
se quedou por uma noite fria e negra.
Não nos tragam o frio, vós que não conheceis outros
caminhos.
Porque nós já não estaremos aqui.
saudades
Os rapazes saltavam ao eixo soltando risadas animadas.
Tenho saudades…
A bola surgiu do nada e a menina veio logo a seguir,
correndo muito, com um sorriso aberto estampado no rosto.
Tenho saudades...
O cão ladrava animadamente, correndo atrás do disco que o
dono lhe ia lançando.
Tenho saudades…
O sol estava a pino, a relva era macia e o casal de
namorados deleitava-se, trocando carícias.
Tenho saudades…
Fechei a janela, corri o estore e voltei para dentro.
De mim.
segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014
(Meios) Caminhos
Quando chegou à
encruzilhada viu que muitos caminhos se abriam a partir daquela clareira.
Havia-os de
várias as formas e feitios.
Aquele que se
abria largo, bordejado de árvores frondosas e magnificas na sua enormidade.
A seu lado
partia um outro, estreitíssimo, escuro, ladeado por árvores cadavéricas, quase
mortas, constantemente nuas.
Também havia uma
estrada inócua, sem nada que sobressaísse, quase que se sumia na sua
insignificância.
Logo a seguir
havia um que começava exactamente numa ponte feita de pedaços de madeira
envelhecida, por baixo corria um rio veloz e assustador, de cor amarelada, a
sua voz ouvia-se à distância e aquilo que dizia não ajudava à escolha daquela
via.
Um pouco mais
longe estava outro. Este parecia muito agradável. O sol iluminava-o
abundantemente. Havia flores nas suas margens e até uns pássaros coloridos lhe
sobrevoavam o curso.
E havia ainda o
caminho por onde ali tinha chegado e esse ele já conhecia bem demais, não tinha
vontade em percorrê-lo de novo, não lhe apetecia voltar atrás.
Só então reparou
que este caminho já lhe estava barrado. Um muro imenso e intransponível surgira
entretanto nas suas costas, no momento exacto em que pusera o pé na clareira.
Apenas um leve buraco no muro lhe permitia espreitar o que havia deixado lá
atrás, mas teve a certeza que nunca mais lá poderia voltar.
Estava exausto,
a dúvida assaltava-o de forma abrupta e insistente.
Reparou que o
sol se punha por detrás das árvores e resolveu sentar-se. Ficar ali até que uma
ideia lhe iluminasse o caminho a seguir.
Sentou-se e
notou que, apesar de na clareira já ser noite, todos os caminhos que se abriam
para lá dela continuavam exactamente na mesma, como quando ali tinha chegado.
Cansado
adormeceu.
Sonhou com todas
as estradas e sobretudo com aquela que havia deixado.
Quando acordou
olhou-as a todas com outra clarividência.
Pesou os prós e
os contras, reflectiu sobre aquilo que pensava ir encontrar em cada um dos
destinos, para além das suas aparências. Tomou-as apenas como isso, aparências
e soube que, para além delas, outras coisas existiriam, mas também estava
consciente de que, apesar disso, elas quereriam significar algo. Algo
relevante, mesmo que fosse o contrário daquilo que mostravam.
Viu as sombras e
os sóis, as flores e os pássaros, o rio assustador e a estrada soalheira.
Acreditou que todos os caminhos lhe trariam sorrisos, mas sobretudo curvas e
contracurvas, mesmo aqueles que lhe surgiam como mais apetecíveis.
Esperou, pensou,
decidiu…
A escolha estava
feita.
Não tinha
certezas, longe disso, mas foi com um sorriso confiante que abriu asas e voou
sobre a clareira…
sábado, 1 de fevereiro de 2014
Pão Quente
Sempre se sentira estranha, como se nunca estivesse onde
realmente estava, como se flutuasse numa outra realidade que não aquela que
diziam concreta, por isso procurava incessantemente outros caminhos, embora,
por vezes, lhe dissessem que os caminhos que trilhava eram os mesmos que muitos
outros antes dela e muitos outros depois dela também faziam.
Sentia-se só, mesmo que muitas pessoas a rodeassem e, às
vezes, eram inúmeras as pessoas que a rodeavam. Mas ela nunca se sentira presa
a nada, nem a ninguém e isso, apesar de parecer o contrário, angustiava-a. Foi
por isso que, depois de muito procurar, encontrou aquele sítio, que muitos
outros antes dela tinham encontrado e que muitos outros depois dela iriam
encontrar.
O mar era o seu centro, as casas que o marginavam eram como
casulos de onde borboletas iguais a ela saiam em cada manhã e onde cada larva,
igual a ela, regressa todas as noites. E quando voltava nunca o fazia sozinha e
quando saía, na manhã seguinte, nunca o fazia acompanhada.
Por vezes parava o seu constante vaivém e pensava naquilo
que já tinha sido mas, raramente, naquilo que ainda iria ser. E sentia
saudades. Não sabia de quê, mas sentia-as. Talvez dos cheiros ou dos sons que
lhe haviam marcado momentos, fugazes, quase inexistentes, mas que agora, depois
de tantos anos, lhe voltavam num emaranhado de memórias difusas e, no entanto,
tão concretas.
Hoje sentia-se mais só, porque hoje, com a idade que já
tinha, mas não aparentava, já conseguia dar-se ao luxo de não sair de manhã e
de não entrar à noite e, sobretudo, de poder não olhar para ninguém.
Por isso, hoje, abriu a porta da varanda e sentou-se cá fora
olhando o mar que, ali tão perto, se manifestava calmo e sorridente.
Lá dentro ele estava ainda deitado. Olhou-o uma última vez e
sorriu tristemente. Sabia nem que dali a pouco ele se levantaria e arranjaria
alguma desculpa, pegaria nas notas que estavam na mesa-de-cabeceira e sairia
para não mais voltar. Mas não era isso que a incomodava, agora era apenas o
facto de o pão quente demorar tanto tempo a chegar e hoje percebeu, por fim,
que o que mais desejava era poder saborear um pedaço de pão quente com manteiga
em cada manhã.
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