sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

O livro



Caminhava de cabeça baixa, absorto com as palavras que lia no livro aberto à sua frente. Nunca um livro lhe tinha despertado tanto prazer, nunca as palavras lhe tinham trazido tantas certezas, tantas dúvidas também, tanto gozo em ser atirado de um lado para o outro, porque era assim que se sentia. Abanado. As ideias chocalhavam na sua mente, agitavam-no e isso era tudo o que sempre procurara nos livros e ele já lera muito, aliás era tudo o que fazia, pelo menos tudo o que fazia por gosto, com vontade.


Ao caminhar de cabeça presa no livro que lia, não se apercebeu de todo o reboliço que estalava à sua volta. Não via que outras palavras eram atiradas sem nexo, sem regresso, sem vontade, ou então com vontade retorcida, maligna. Não se apercebeu também das correrias, dos bastões e até dos tiros que voavam por perto.

O seu caminho era feito pelo livro que lia, nem mais à esquerda, nem menos à direita. Não se apercebia do que acontecia à volta, nem isso lhe importaria se se desse conta, porque o que interessava, o que lhe moldava os dias e o fazia caminhar, estava ali naquelas páginas.

Ali por perto já jaziam vários corpos, mortos, feridos, inconscientes, ou simplesmente disfarçados disso tudo, por medo, ou precaução, por estratégia ou por não saberem estar doutro modo. Do outro lado da rua havia barricadas, fumo e explosões e nada disso ele via, porque não queria, não precisava, não sabia como.

Os gritos eram estridentes, de um lado e do outro, fúrias incontidas, raivas escancaradas, ódios adivinhados.

Foi então que chegou à última página e fechou o livro. Olhou então o que estava à sua frente e com uma calma natural ergueu o livro no ar.

Imediatamente se viraram para ele e recuando preparam as espingardas.

Cuidado, ouviu ao longe, ele tem um livro na mão!

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