quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Histórias com Música (52)

Lembro-me muito bem de me falarem dele, do papão que vivia no telhado e que comia criancinhas. Do homem do saco.


Lembro-me até de o ver quando, no fim da tarde, o ardina, o pobre ardina, vinha bater à porta da casa dos meus avós, para lhes trazer os jornais vespertinos. Era ele o homem do saco, um enorme saco onde trazia os jornais mas que, para mim, era o saco onde ele levava as criancinhas. O homem do saco era ele, o papão que vivia no telhado e que comia criancinhas. Mal sonhava o pobre homem que era assim que eu o via, que é assim que o vejo ainda hoje, tantos anos depois, quando agora ele não deve ser mais que um fantasma, uma espécie de fantasma negro dos meus sonhos, um rosto que ainda ligo ao terror infantil, aquele que fica, o único que fica ao longo de toda a vida, porque é o único real, o verdadeiro, porque é aí que as coisas se manifestam com mais rigor, com maior verdade, naquela idade em que aprendemos que, apesar do sol que brilha, há muita escuridão no mundo, naquele mundo que ainda não conhecemos mas que vamos intuindo, que se vai abrindo à nossa frente, como um papão que vive nos telhados, como um homem do saco que vem bater, todas as tardes, à nossa porta.

Parece que, depois, nos esquecemos disso, mas não, cá bem dentro de nós sabemos que ele existe, mesmo que o queiramos esconder, o homem do saco, o papão, está sempre lá, à nossa espera e mesmo que vá adoptando outras formas, mesmo que vá utilizando outros sorrisos, quando menos esperamos ele toca-nos no ombro e sorrindo amavelmente diz-nos: Não me esqueci de ti…




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