sábado, 4 de fevereiro de 2012
Um canto escuro
Havia um canto qualquer no seu cérebro que lhe ia indicando o caminho a seguir, se bem que, na maior parte das vezes esse canto estivesse muito pouco iluminado, quase sempre às escuras. Uma vez por outra os seus olhos desviam-se para lá, para o sitio onde a escuridão quase sempre imperava e então ele conseguia distinguir quais os passos que deveria encetar. Mas, por ser tão raro, as mais das vezes ele andava em círculos, dando voltas e mais voltas sobre si próprio, fazendo com que os seus dias se repetissem até à exaustão. Tanto que já nem lhe desagradavam, passavam apenas e ele quase nem dava por eles, a noite e o dia, a chuva e o sol confundiam-se sem que ele conseguisse perceber onde acabavam uns e começavam outros.
Entretanto o resto do cérebro ia trabalhando, obrigando-o às tarefas rotineiras do dia-a-dia, sem nunca chegar a perceber que, naquele canto escuro estaria, porventura, a sua salvação. Às vezes, quando dormia, uma luz irradiava forte, do canto escuro e ele sonhava com coisas impossíveis, com saltos enormes, com aventuras fantásticas, com momentos inolvidáveis, mas depois, quando acordava, rapidamente se esquecia de tudo, foi apenas um sonho, pensava e nunca mais lhe dava atenção.
Os dias continuavam a passar e os círculos que os preenchiam eram cada vez mais apertados. Doía-lhe o coração e ele quase nem dava por isso, o cérebro estava demasiado preenchido a mostrar-lhe como se devia curvar perante as horas que lhe escureciam a vida.
Um dia adormeceu, esqueceu-se de acordar à hora de todos os dias e mesmo depois de abrir os olhos não viu onde estava. O sonho era mais forte que a vontade da rotina. Apesar de tudo levantou-se e preparou-se para tomar os caminhos usuais. Mas a luz que irradiava do canto escuro do seu cérebro era forte demais para ser ignorada. Voltou a deitar-se e assim ficou, sem saber por quanto tempo.
Mais tarde, quando vieram bater à porta de sua casa, não respondeu, não se levantou do sítio onde estava, a luz continuava a iluminá-lo e ele sabia que não precisava de mais nada para ser feliz.
Passado ainda mais tempo, quando os dois bombeiros conseguiram finalmente abrir a porta de sua casa, encontraram-no na mesma posição, deitado, ignorando tudo, excepto a luz que lhe que lhe explodia no cérebro. Sorria.
Antes de fechar o saco preto onde o embalavam, o primeiro bombeiro não se conteve e comentou para o outro:
- A julgar pela cara, este deve ter morrido satisfeito.
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