sábado, 21 de janeiro de 2012
O Homem ao Contrário (I)
Estava sentado num banco do jardim, comia distraidamente uma sanduíche mista, o tempo estava ameno naquela tarde de inicio de Outono, algumas folhas iam cumprindo já a sua função e tornavam-se amareladas, encarniçadas e algumas delas tinham começado a formar o tapete que, todos os anos pela aquela altura, davam ao jardim um aspecto de sala de estar acolhedora, numa mistura de cores confortáveis que iam dum amarelo quase vivo a um castanho forte e vigoroso.
Eu sentava-me por ali muitas vezes, lia um qualquer livro que tirava da estante lá de casa, bebia um refrigerante, comia uma sanduíche mista, que era o que fazia hoje e deleitava-me a olhar para as pessoas que passavam ou que iam ficando.
Naquele dia viu-o passar e, por muito estranho que, aparentemente, se parecesse, não estranhei. Ele aproximava-se devagar, com um sorriso rasgado na cara, mas isso eu só vi depois, quando ele já tinha passado por mim, porque, daí a estranheza que afinal não era, este homem andava ao contrário.
Não, não andava a fazer o pino, de cabeça para baixo, up side down, como tinha ouvido uma vez numa canção de que gostava muito, andava simplesmente para trás. Cria eu que ele andava para trás, pelo menos era assim que o via, ele talvez acreditasse que andava para frente, a frente dele podia não ser, não seria com certeza, a mesma que a minha.
Mas era isso, ele dava passos para trás, ao contrário, embora isso não lhe dificultasse o andar, pelo menos assim me parecia, o seu caminhar era desenvolto, decidido, próprio de quem sempre andou daquele modo, de quem aprendeu a andar assim e nunca o soube fazer de outra maneira.
Quando passou por mim sorriu, vi-lhe um sorriso rasgado, ou amplo, ou bonito, que não sendo sinónimos servem aqui para descrever a mesma coisa, um sorriso que me agradou. Que me fez sentir bem perante aquela espécie de estranheza que era ver um homem feliz, aparentemente feliz e que andava ao contrário, para trás.(...)
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