terça-feira, 14 de junho de 2011
Destinos
O dia amanheceu estranho. Cortado ao meio.
No lado esquerdo o sol raiara em todo o seu esplendor. Uma luz exaltante tornava este dia quase eufórico.
No lado direito a noite continuava. A escuridão mantinha-se, entranhando em todos aqueles que acordaram desse lado, uma sensação opressora.
Ao entrarem para o carro eles já conheciam os seus destinos. Não tinham dúvidas. Estavam certos dos caminhos e das suas razões. Mas neste dia, quando se olharam pela primeira vez, não se reconheceram, embora nem se tivessem apercebido disso.
- Está um lindo dia. Exaltante. Abençoado. Alegrou-se o condutor.
- Tu não sabes o que dizes. Retorquiu sem grande entusiasmo o passageiro que ia a seu lado.
Virando-se para o lado o condutor olhou o passageiro com um ar incrédulo:
- Então? Não vês o sol, o brilho deste dia, o cheiro? Tudo é maravilhoso!Sem levantar os olhos do chão o outro respondeu:
- Mas tu bebeste? Olha que é perigoso conduzir alcoolizado.
- E a ti? O que te deu? Perguntou o condutor querendo transformar aquela conversa em algo mais consentâneo com o seu dia.
- Não me deu nada. Só não te consigo perceber. O dia está cinzento. Não se vê vivalma. O ambiente está terrível e tu queres transformar este pesadelo num sonho bonito. Só pode ser por estares sob o efeito dalguma coisa estranha. Acrescentou o passageiro querendo acabar rapidamente com aquele diálogo inútil.
- Não sei porque te convidei. Respondeu o condutor, deixando antever a chegada de uma nuvem arreliadora que não queria que ensombrasse o seu dia perfeito.
– Ou melhor, sei. Sei que estou farto de te ver escuro, de olhos fechados, cheio de nuvens. Gostava de te dar um pouco de luz.
- Mas quem te disse que eu quero luz, que preciso de luz? Replicou o passageiro com uma impaciência crescente. – Sabes que mais? Estou farto das tuas luminosidades parvas, das tuas euforias ocas, da tua vida colorida, onde nada se aproveita.O condutor deixou de sorrir. – Se é isso que tu achas, muito bem. Vou parar o carro e podes sair. Ir para onde muito bem te apetecer e fugir de mim. Definitivamente.
O outro sorriu pela primeira vez em muito tempo. – Pois bem, é isso mesmo que vou fazer. Até sempre! Disse saindo rapidamente do carro.
- Até sempre. Respondeu o condutor retirando as mãos do volante.
Assim que o passageiro pôs os pés no chão, a queda foi imediata. Terminou bem junto da porta negra, onde um demónio vermelho e pequenino já o esperava.
Antes de entrar olhou para cima, mesmo a tempo de ver o outro acercar-se de um grande portão dourado, onde um velho de imensas brancas o aguardava sorridente.
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