sábado, 2 de abril de 2011

Olá (XIV)

(...)
- Que me dizes tu ribeiro, que me queres mostrar?
- atenta-teeeeee…
- O quê? Que disseste? Falaste, eu sei, eu ouvi-te!
- atenta-teeeeee…
- Atento-me? Foi o que me disseste? O que quer isso dizer?
- …
- Diz-me, fala comigo.
- …
Não o oiço, não fala mais. Que quereria dizer. Na verdade não foi uma voz que ouvi, foi um ruído contínuo, escorrendo pelas suas águas. Mas que vejo eu? Há imagens no leito do ribeiro, luzes. Gente que se move. Gente que não reconheço, mas que me parece tão familiar. Tão longe que estão. Mas é sempre a mesma pessoa. Parece que atravessa toda a História da Humanidade. Vejo-a na antiguidade, como a vejo na idade das trevas, como a vejo no Renascimento, como a vou vendo mudar e, no entanto, ficar sempre a mesma. A mesma face, as mesmas mãos, a mesma voz, sim porque a consigo ouvir falar, diferentes linguagens, mas sempre a mesma voz. Vai passando em frente aos meus olhos, mudando e ficando sempre igual. O que quererá o ribeiro mostrar-me?

- O que é isto ribeiro? Quem são estas pessoas? Quem é esta pessoa que muda e se mantém a mesma?

As imagens estão a desaparecer. A ficar esparsas, difusas, a perder o som, o brilho, a cor, a vida que tão fortemente emanava delas. Não percebo ainda, mas sinto esta vontade irreprimível de saltar para o ribeiro, de lhe seguir as águas, de lhe acompanhar a corrente. Será isto uma opção? E se for a errada? Eles avisaram-me que depois de escolher não poderia voltar atrás. E eles ainda ali estão, esperando. Mas é muito forte este apelo, esta vontade, esta força que vem das águas. Todas as imagens que vi, embora desconhecidas, me eram familiares, como se as já tivesse presenciado, como soubesse quem eram aquelas pessoas que me mostravam, como se soubesse aquelas vidas. Não sei o que fazer.

- Diz-me ribeiro, é por aqui o meu caminho?
- …
- Que fazer ribeiro, seguir contigo, descobrir o mistério?
- …
- Não te ouço…
(...)

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