sexta-feira, 11 de novembro de 2011
O Pastiche de Spielberg
Ponto prévio: Acredito que Steven Spielberg é um excelente realizador. Fez dos filmes mais emblemáticos das últimas décadas e é reconhecido, quase por todos, como um dos mais proeminentes artesãos da 7ª arte que ainda se mantêm em acção.
Ponto prévio 2: Se fizer um esforço de memória e me relembrar de todos os filmes que vi realizados por S.S., consigo, apenas, destacar aqueles em que o protagonista é Indiana Jones. Todos os outros me passaram ao lado, talvez com a excepção da Lista de Schindler. Houve mesmo alguns, como o Império do Sol, que me chatearam profundamente.
Ponto prévio 3: Sou um admirador confesso, a roçar o fanático, das Aventuras de Tintin, como está, aliás, patente, nas páginas deste blogue. Para além da admiração que já vem dos meus tempos de infante, tenho, ao longo dos anos, dedicado muitas horas, agradáveis, a reler todos os álbuns, a ler muitas obras sobre Hergé e o seu (nosso) herói e tenho também participado em alguns encontros com outros admiradores confessos. Tenho, em suma, aplicado muito do meu tempo a tentar perceber e a deliciar-me com aquilo que esta obra de Hergé me pode proporcionar. Devo acrescentar que dou por (muito) bem empregues todos os minutos que assim passo.
Ponto prévio 4: Vi, com algum agrado naíf, os vários filmes que foram feitos tendo como ponto de partida as Aventuras de Tintin, desde aqueles protagonizados por Jean-Pierre Talbot, até às animações do Templo do Sol e do Lago dos Tubarões, passando pelos pequenos filmes realizados nos anos 60 pela Belvision e os outros mais recentes, anos 80, que reproduziram, quase fielmente, o que vem nos livros.
Posto isto, era inevitável, ir assistir ao tão badalado filme que S.S. intitulou O Segredo do Licorne.
Devo dizer que o achei um excelente filme. Tecnicamente inovador, irrepreensível do mesmo ponto de vista, com emoção, ritmo e perfeitamente capaz de entusiasmar a maior parte das assistências. Senti-me agradado. Pelo menos enquanto fui capaz de me esquecer que sou um admirador confesso, quase fanático, das Aventuras de Tintin.
Porque, no momento em que voltei a vestir essa pele, que, no fundo, é a minha pele verdadeira, fiquei triste com que acabara de presenciar.
A história vai beber uns pinguinhos de sapiência às ideias de Hergé, mas depois perde-se em temas que irão agradar aos maníacos dos jogos de computador, aos que gostam das curvas e contra-curvas em que são pródigos os filmes de Hollywood, aos que desconhecem Tintin.
Eu entendo que o argumento deste filme não possa seguir, à risca, a imaginação fértil, humorística e aventureira de Hergé, que não consiga transmitir toda a ambiência global que Hergé conseguiu, que não nos maravilhe de forma tão infantilmente madura. Por isso fiquei triste, por vezes até irritado. Porque os Dupondt não são assim, incipientes; porque o capitão, por muito bêbado que seja, nunca bebeu álcool puro; porque Moulinsart, por muito misterioso que pareça, nunca foi escuro ou tenebroso; porque a Castafiore, mesmo tonitruante como é, nunca partiu um vidro com a força da sua voz; porque Sakharine foi apenas um estranho coleccionador de modelos de navios e nunca um vilão; porque as perseguições que Tintin encetou nunca foram impossivelmente absurdas; porque a felicidade de quem conheceu Tintin antes deste filme nunca foi provocada por acções tontas e imbecis, mas antes por um encantamento que vem de dentro de cada um de nós.
Por tudo isto tenho receio que, num futuro mais ou menos próximo, quando aqueles, como eu, que gostam verdadeiramente de Tintin, desaparecerem, as gerações vindouras, mais rendidas ao imediatismo efémero e menos ao permanente contínuo, acreditem que as Aventuras de Tintin são da autoria de S.S. e não de quem realmente as imaginou e lhes deu vida.
Porque este Tintin de S.S. não é o meu, o nosso, o Tintin de Hergé, o verdadeiro. É outra coisa. É apenas mais um pastiche.
Nota final: Este é um filme que eu recomendo.
Nota final 2: Mudem o nome do protagonista. Talvez Indiana Jones animado, ou Indiana Jones em Marrocos, ou Indiana Jones de poupa.
Nota final 3: Leiam as Aventuras de Tintin em papel e sintam a diferença.
Nota final 4: Desta vez, tal como na maior parte das outras, O LIVRO É BEM MELHOR QUE O FILME!
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