O dia amanheceu quente, muito quente. Sentíamos as horas a derreter-se à medida que um tiquetaque de relógios imaginários soava na cabeça de todos os presentes.
O silêncio era, apesar de tudo, vibrante.
Gotas de suor escorriam em cada face, molhavam todos os cabelos e um cheiro adocicado transbordava das paredes daquele salão onde não cabia mais ninguém.
No primeiro degrau de uma espécie de altar, Pepe aguardava…
Na verdade, todos os que ali estavam aguardavam.
Todos nós esperávamos pela nossa hora.
Quando ela entrou pela porta que ficava nas nossas costas, silenciosa, ninguém precisou de se virar para o perceber.
A brisa, que sempre a acompanhava, tocou-nos a todos. Impossível de esquecer.
Sem a ver todos soubemos que vinha de vermelho, vaporosa, que os seus lábios carnudos estariam a condizer com o seu vestido, que os seus olhos sorririam como mais ninguém conseguia sorrir.
Por isso ninguém se virou para a ver. Ninguém abriu os olhos.
Excepto Pepe, que mais uma vez experimentou aquela sensação. A de que o mundo tinha parado. E só ela se movia.
Nunca o tinha confessado, mas sempre que Lupe se aproximava, ele ouvia, ou sentia, a sua melodia, uma melodia que nunca tinha escutado antes e que, também o sabia, mais ninguém conseguia ouvir. Para esses ela tinha outras melodias.
Lupe tinha-a criado só para si. Assim julgava, assim desejava. Assim sabia.
Quando lhe deu o braço e se viraram os dois para nós, Pepe soube que não precisava de mais bênções. Naquele momento Pepe soube que todo o calor que o inundava, toda a inclemência daqueles lugares onde sempre tinha vivido, seria esquecido para sempre.
Porque quando Lupe o tocou, naquele dia, Pepe percebeu que não precisava de nenhum outro anjo para poder viver.
E quando todos os que ali estávamos abrimos, finalmente, os olhos, pudemos saber qual era o nosso verdadeiro destino, porque esse é aquele que toca todos os sentidos e esse era o que Pepe tinha estampado na sua cara.
Sorriram ambos para nós, com um brilho especial naqueles olhos escuros como breu e Lupe começou a cantar.
E depois … depois começou a festa.
Até ao fim dos tempos…
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